Título: Aos milhares, eles se juntam para orar
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/04/2005, Especial, p. H1

Por todo o país, os poloneses formam multidões - de surpresa, sem convocação prévia - e se põem a rezar pelo papa CRACÓVIA-As concentrações de fiéis acontecem de forma espontânea. Ninguém sabe como, mas, de repente, num canto da cidade, lá estão 10, 25, 70 mil pessoas orando. Os comentaristas da TV da Polônia, que estão batendo todos os recordes de permanência no ar, dizem que as manifestações só podem estar sendo convocadas por torpedos de celular, que na Polônia custam muito barato. Na noite de segunda-feira, uma procissão convocada por jovens levou mais de 25 mil pessoas ao estádio do Cracóvia Futebol Clube. Ali torcedores de quase todas as equipes do país rezaram por João Paulo II.

Ontem foi a vez de Varsóvia demonstrar sua paixão - ela, que parecia esquecida do noticiário, concentrado em Cracóvia, a antiga capital e terra de Karol Wojtyla. Foi rezada uma missa na mesma praça onde em 1979 Wojtyla ousou proferir sua primeira homilia como papa em terras comunistas. Como um profeta político, disse a seus patrícios: "Substitua o espírito de tua face e renove a terra, esta terra."

Durante a missa nacional em Varsóvia, com a participação de mais de 250 mil pessoas, entre elas o presidente Aleksander Kwasniewski, o celebrante do culto, o cardeal primaz, Józef Glemp, propôs que seja colocado um sarcófago simbólico do Santo Padre na cripta de Wilanów, o Castelo Real de Varsóvia. O país inteiro reivindicava a ida do corpo, ou do coração do papa, para Cracóvia - para outro castelo, o de Wawel.

CAMPEONATO

As cidades polonesas parecem ter entrado numa espécie de campeonato para saber qual leva o maior número de fiéis para seus cultos. Em Katowice, sudoeste do país, na segunda-feira, a missa campal dos mineiros atraiu mais de 30 mil pessoas. Os números, embora pareçam pequenos, são consideráveis num país com 39 milhões de habitantes, onde são poucos os municípios com mais de 100 mil pessoas. Varsóvia tem 1,7 milhão; Lodz, 831 mil; Cracóvia, 746 mil. Katowice, a nona cidade em população, tem 359 mil habitantes.

Além disso, milhares de poloneses estão seguindo para Roma. A empresa estatal ferroviária anunciou na manhã de ontem que colocaria seis trens especiais diretos de Varsóvia para Roma - o bilhete de ida e volta custa o equivalente a R$ 500,00. Os peregrinos poderão embarcar ainda em Cracóvia e Katowice. A informação não resistiu muito tempo. Horas depois era feita uma nova comunicação dizendo que mais dois trens especiais partem de Cracóvia para Roma. Estima-se que outros 40 mil poloneses vão viajar de ônibus em caravana.

Quem não viajar poderá render homenagens na Polônia mesmo. Lugar não falta, mas nenhum parece receber mais visitas que o prédio da Cúria Arcebispal de Cracóvia. A pequena comunidade brasileira da cidade foi até lá ontem, vestindo camisas da seleção. Para Lourival Araújo Filho, doutorando em História, a perda do papa representa um baque para o país. "Sem o papa, a Polônia vai ficar mais triste, mais obscura."