Título: Desafios: genética, eutanásia, sexo...
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/04/2005, Especial, p. H1

Segundo teólogos, próximo papa terá de tomar posição sobre temas que causaram polêmica no pontificado de João Paulo II O fechamento da China, a eutanásia, a sexualidade, a biogenética, o papel das mulheres dentro da Igreja, o crescimento da pobreza pelo mundo. Esses são alguns dos temas polêmicos que esperam pelo novo papa. E de uma coisa os teólogos brasileiros João Batista Libânio e Fernando Altemeyer não têm dúvidas: posicionar-se diante deles é apenas um dos desafios presentes no caminho da Igreja. Para Libânio, são necessários três olhares nesse momento. Um para dentro da Igreja, outro para o mundo religioso e outro para o mundo secular.

No primeiro aspecto, o desafio em sua opinião é criar uma Igreja participativa e livre, na qual os fiéis se sintam responsáveis e comprometidos com a vida eclesial e o clero anime as comunidades com o ministério da palavra de Deus e os sacramentos, sem ser autoritário.

"O ministério dos padres e bispos se articulará com outros ministérios realizados por leigos e leigas desde ritos religiosos até serviços sociais. Nessa transformação, o papel da mulher necessita ser repensado e a maneira de conceber o ministério ordenado", acredita Libânio.

Em relação ao olhar para o mundo religioso, o mais importante, segundo ele, é trabalhar por "muitas e diversas expressões de fé, numa única grande fé cristã". "Cada fiel das igrejas deveria sentir-se acolhido em qualquer outra confissão de fé cristã. A hospitalidade cristã, que vai da eucaristia aos outros serviços, se tornaria uma característica de todas as igrejas." Já em relação às religiões não cristãs, Libânio apela por um diálogo em torno da fé "num único absoluto", que tenha a ética global e a paz universal como princípios.

O terceiro desafio, para o teólogo, é o de como se posicionar diante da pluralidade do mundo moderno e pós-moderno. E de suas novas questões, que incluem da biogenética e a eutanásia até a sexualidade humana. "No campo econômico, com a gigantesca e terrível dominação do neoliberalismo, o problema dos pobres e excluídos do mercado, em termos pessoais, de classe, de nação e até de continente, exige uma tomada vigorosa e destemida da Igreja em favor deles", acrescenta Libânio. E, para que essa defesa não se perca em discursos vazios, o teólogo defende a criação de um outro modelo socioeconômico, que substitua o neoliberal com a ajuda de movimentos sociais, e onde a vida esteja acima dos interesses.

Professor e ouvidor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Fernando Altemeyer resume os desafios que aguardam o novo papa em "pelo menos dois tsunamis, em meio a algumas marolas".

O primeiro tsunami é a abertura para os países do Oriente, o que requer um trabalho prático, missionário e político. "Ou a Igreja dialoga e compreende a China, ou perderá o século 21", acredita o teólogo. "Não só pela importância numérica, econômica e social da China, mas porque ela tem 5 mil anos de cultura e religião. Já foi aberta ao cristianismo, mas se fechou nos últimos quatro séculos. E será o império que sobrepujará os Estados Unidos, que estão afundando."

Já o segundo grande desafio, para Altemeyer, é interno. "Estará a Igreja aparelhada em termos espirituais para responder às pessoas do mundo globalizado e moderno?", pergunta. Entre outros pontos, ele destaca a importância de refletir sobre o papel e a presença das mulheres. Além de haver hoje, segundo o professor, 800 mil religiosas no mundo, nas últimas décadas cresceram as discussões sobre o papel da mulher. "A Igreja precisará falar com as mulheres e deixar que elas falem à Igreja, que elas participem. Por que não pensar, por exemplo, em ter mulheres em postos de comando na estrutura da Igreja?"