Título: 'Lula não é católico, ele é caótico¿
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/04/2005, Especial, p. H1

Nunca um prelado tinha batido tão forte no presidente: o arcebispo do Rio, d. Eusébio Scheid, fez uma série de críticas ao chegar a Roma Expedito Filho Enviados especiais

CIDADE DO VATICANO-Nunca um dos quatro cardeais da Igreja Católica Romana no Brasil foi tão duro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva como o arcebispo do Rio, d. Eusébio Scheid, ao desembarcar, ontem, em Roma. "Lula não é católico, é caótico", afirmou, quebrando o clima de paz que se instalou entre o presidente e a Igreja desde a morte do papa João Paulo II no fim de semana. Para d. Eusébio, "Lula não deve se meter ou dar palpites" a favor do brasileiro d. Cláudio Hummes, um dos cotados para ser o próximo papa. "Não misture Lula nessa história", disse.

O cardeal, embora ressalve que a ida de Lula ao funeral do papa é algo positivo, acredita que o presidente está buscando "tirar dividendos políticos com isso".

"Ele vem como autoridade do País e é bonito que o faça. Óbvio que ele não precisaria vir em seu avião particular", disse o cardeal, que foi convidado a viajar no avião e recusou. O avião foi encomendado pelo governo Lula, mas é de propriedade da Presidência da República.

O cardeal não poupa críticas à forma com que Lula conduz sua fé. "Ele e o Espírito Santo não se entendem bem. Você acha que Lula conhece o Espírito Santo?", questionou o religioso, ao responder perguntas dos repórteres do Estado no aeroporto de Roma.

"Ele não tem uma fé retilínea. Ele tem atitudes que não são lógicas pela nossa fé. Não é uma fé cultivada", explicou o cardeal. D. Eusébio argumenta que como Lula "nasceu em um meio operário, com todas as confusões, nunca teve uma formação e um aprofundamento da sua própria fé".

Segundo ele, o aprendizado religioso do presidente baseou-se no que ouviu de seus amigos padres e bispos.

DITADURA PARTIDÁRIA

O cardeal reconheceu que Lula, pessoalmente, é uma pessoa boa, bem intencionada e nunca foi contra a Igreja. "Mas ele está muito mal assessorado. Estamos quase em uma ditadura partidária, pois são todos do PT", disse o religioso ao fazer uma análise do governo Lula.

Ele também quis falar sobre o presidente da Camara, Severino Cavalcanti. Para d. Eusébio, o deputado se tornou um obstáculo a essa "ditadura partidária". "O primeiro golpe, ele levou do nordestino", afirmou o cardeal, reproduzindo a maneira de falar e o sotaque de Severino.

Segundo d. Eusébio, existem pontos fundamentais que o levaram a qualificar o presidente de "caótico". Em primeiro lugar, uma suposta "reação do governo favorável aos gays". "Isso nos deixou perplexos", disse, lembrando que Lula deveria ter uma assessoria do ponto de vista religioso.

Uma outra divergência "é a posição pró-aborto adotada pelo PT". "O presidente me disse que é contra, mas seu partido é a favor", disse. Nem Lula nem o PT se posicionaram publicamente em prol do aborto. O governo atual está discutindo a legalização da interrupção da gravidez em casos de anencefalia, quando o feto não tem cérebro.

Questionado se acreditava na palavra do presidente, foi lacônico. "Tenho minhas dúvidas. Os políticos uma hora dizem uma coisa e outro dia dizem outra." Ele também critica o ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio de Mello, "por sua posição liberal em relação ao aborto". O ministro tem se manifestado a favor do aborto em casos de anencefalia.

O cardeal diz que ainda tem dúvidas quando Lula se declara católico. "Quem é católico não pode ser a favor do aborto. Quem é cristão e quiser seguir Cristo não pode estar de acordo com isso", disse. "São essas as coisas que chamo de caótica. Não há uma linha clara", completou.

Ele ainda critica a política externa de Lula, "excessivamente à esquerda". Como exemplo, cita a viagem do presidente a Cuba. "Achei que eram dois bobocas se encontrando", emendou, sobre Lula e Fidel Castro. "A esquerda nunca trouxe benefícios para ninguém. Observe a Rússia, a China e Cuba", disse o cardeal, que também critica Plínio de Arruda Sampaio por ser de esquerda.

Nem mesmo o Fome Zero, carro chefe dos programas sociais do governo, se salva. "Isso humanamente já tem de fazer. Antes dele, nos já fazíamos isso", afirmou, completando que há muito tempo a Igreja se ocupa dos pobres no Brasil.

SEM COMENTÁRIOS

O Palácio do Planalto não comentou as declarações do arcebispo do Rio, d. Eusébio Oscar Scheid, contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), também evitou comentar as palavras do cardeal. Ele integra a comitiva que vai acompanhar Lula nos funerais de João Paulo II.