Título: Corpo do papa não foi embalsamado
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/04/2005, Especial, p. H1

Fiéis na Basílica já podem perceber sinais de degradação Contrariando a tradição, João Paulo II não foi embalsamado. Segundo o porta-voz do Vaticano, Joaquin Navarro Valls, o corpo do papa foi apenas "preparado" para o velório, que começou anteontem. O enterro está marcado para depois de amanhã, seis dias após a morte do Santo Padre. Navarro não especificou o que foi feito no corpo. O embalsamamento é necessário para retardar a decomposição do organismo, de modo que o corpo possa permanecer exposto por vários dias (veja quadro ao lado).

Os milhares de fiéis que enfrentaram 3 quilômetros de fila para ver o corpo do papa, em cerca de seis horas, quando chegaram à Basílica de São Pedro puderam perceber no rosto de João Paulo II os primeiros sinais de degradação. O papa está mais pálido, com a bochecha arriada e maquiada de vermelho e os lábios, completamente roxos.

O Estado ontem esteve por cerca de 40 minutos dentro da basílica. Pela porta lateral, por onde entram autoridades e alguns cinegrafistas, foi permitido acesso ao jornal. Ali, em um clima de comoção, causado pela reação dos fiéis ao passar alguns segundos diante do Santo Padre, foi possível perceber o estado já visível de decomposição, embora o Vaticano garanta que o corpo esteja preparado para suportar até oito dias de velório.

Aparentemente, João Paulo II teve apenas o rosto preparado com cosméticos, segundo um especialista de Roma, Massimo Signoracci. A família Signoracci, segundo ele, foi responsável pelo embalsamamento dos últimos três papas: João XXIII, em 1963, Paulo VI e João Paulo I, em 1978. Sem examinar o corpo do Santo Padre, entretanto, Massimo disse que não poderia determinar que tipo de tratamento foi realizado. O embalsamamento completo envolve a retirada de todos os líquidos do corpo, em um processo que pode levar várias horas. A técnica remonta à preparação de múmias no antigo Egito, adaptada ao longo dos séculos para atender às necessidades funerárias modernas.

Historicamente, os órgãos dos papas eram removidos para tornar o embalsamamento mais duradouro e transformados em relíquias. Os restos de 22 papas são mantidos em relicários em igrejas de Roma. O papa Pio X, que esteve à frente da Igreja entre 1903 e 1914, aboliu a remoção de órgãos.

COMOÇÃO

Com a permissão da segurança no interior da basílica, o Estado pode também acompanhar a procissão de pessoas no espaço de aproximadamente 30 metros no interior da basílica. As pessoas nessa caminhada reagiam de forma diferente. As crianças em grande número pareciam não entender direito o que estavam vivendo. Os adultos balbuciavam e alguns católicos mais fervorosos choravam à medida que se aproximavam do papa morto.

Ao chegarem a três metros do papa, eles tinham 20 segundos em média para olhar o corpo do papa. Alguns se prolongavam e resistiam em vão. Os seguranças delicadamente os convenciam da retirada. Próximo ao outro espaço destinado aos jornalistas, mais perto da nave esquerda, freiras de diversas congregações permaneciam rezando o terço.

Na nave esquerda, as pessoas pareciam anestesiadas. Elas continuavam dentro da basílica, apesar de já terem visto o corpo do santo padre.