Título: Mais de 1 milhão de pessoas já foram dar seu adeus
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/04/2005, Especial, p. H1

Ontem, cada fiel demorava seis horas na fila de 3 quilômetros

para ver o papa na basílica, e ficar 20 segundos diante do corpo

Mais de 1 milhão de fiéis participaram ontem da marcha do adeus ao papa João Paulo II na Cidade do Vaticano. Espera-se hoje um movimento ainda mais intenso na Basílica de São Pedro, onde o papa está sendo velado desde anteontem. O tempo de espera na fila de 3 quilômetros, do Largo João XXIII até o interior da basílica, era de seis horas em média. Uma vez diante do corpo, a permanência era de apenas 20 segundos. O número de fiéis era tamanho que a fila em nenhum momento diminuiu, de manhã até a noite. Na madrugada de segunda-feira para ontem, o Vaticano ia suspender por três horas as visitas, mas foi obrigado a retomá-las uma hora depois, a pedido dos próprios fiéis que já se encontravam na Praça de São Pedro, na frente da basílica.

Durante todo o dia, a procissão silenciosa parou o Vaticano e congestionou o centro de Roma. Havia filas em todos os acessos à rua principal da praça. Espremidos em uma cerca edificada ao longo do percurso, os fiéis permaneciam mais tempo parados do que em movimento. Homens e mulheres, muitos com crianças em carrinhos de bebê, fizeram de tudo para chegar à basílica.

Mas houve pessoas com pressão baixa, exaustas e minadas pela queda de temperatura, que acabaram não resistindo. Embora tenham sido distribuídas mais de 15 mil garrafas de água mineral. A desidratação também derrubou muitos fiéis. No total, 65 pessoas foram atendidas nos postos de emergência, montados pela Ordem de Malta com apoio do governo do Vaticano. Segundo a porta-voz da ordem, Philipea Lesile, houve apenas uma morte: a de uma ucraniana, por enfarte do miocárdio, no domingo.

BRASILEIROS

A Bandeira do Brasil também tremulou em sinal de luto durante o velório. Ela foi carregada pelo estudante de economia da Universidade de Roma José Artur Ribeiro, que já esteve na praça em três ocasiões anteriores - todas para assistir à missa papal. Ao lado de seu amigo Vinícius Lins, mineiro de Belo Horizonte, os dois não só demonstraram o luto pelo papa que se foi como também caíram na pregação para que o próximo papa seja um brasileiro. "Isso levantaria a imagem do Brasil no exterior", afirmou Ribeiro.

A massa de gente, quando em movimento e depois de muito tempo de espera, serpenteava pelo centro da praça, passando por trás do obelisco, dobrando uma vez à esquerda e depois à direita para seguir em linha reta até a basílica. Esse movimento prosseguiu ao longo de todo o dia, até a noite. Milhares de pessoas se revezaram na despedida ao papa, o que fez com que a marcha não diminuísse de tamanho ou intensidade.

Hoje, último dia das despedidas, mais uma multidão é esperada na basílica. A idolatria a João Paulo II é impressionante. Mesmo quem não concorda com suas idéias reconhece o seu carisma. Na fila podiam ser vistos praticantes de outras religiões, como um grupo de quatro seguidores de Maomé que, por algumas horas, trocaram o islamismo pela veneração ao papa morto.

Quando religião e adoração se misturam, o resultado é impressionante. A professora de teatro Catherine Heatheointon, inglesa, entrou na basílica, viu o corpo do papa e saiu emocionada. "Eu gostei de vê-lo pela última vez e estou agradecida por tudo que ele fez por nós", disse. A professora britânica Sam Sidhu depois de passar por um martírio de mais de seis horas para ver o papa, foi lacônica. "Eu tive uma sensação muito estranha. Depois de passar esse tempo todo na fila, pude ver o que já sabia: o papa está morto."