Título: 'Rezem por nós', pedem cardeais
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/04/2005, Especial, p. H1

A escolha do próximo papa promete ser tão difícil que parece levar os cardeais eleitores a depositar toda confiança no Espírito Santo. O sucessor da linha iniciada por São Pedro será escolhido por 116 cardeais, que se reunirão em uma data ainda não definida. Até ontem, eram 117 cardeais, quando o prelado mais influente das Filipinas, o cardeal Jaime Sin, confirmou que não participará da eleição por motivos de saúde. Ele é um dos três cardeais que já participaram de outro conclave. Oficialmente, não há candidatos, campanha, partidos e nem mesmo uma apresentação de cada um dos "papáveis". A escolha, mediante voto, deve ser feita por consenso. "Rezem por nós", pediu o cardeal americano William Baum ao chegar a Roma. "Eu tenho rezado. Só posso dizer isso", disse o cardeal Geraldo Majella Agnelo, arcebispo de Salvador. Para 98% dos cardeais, esta será a primeira participação em uma eleição papal.

Ontem, no aeroporto romano, a cada desembarque de um cardeal, o discurso era o mesmo. "Confiamos no Espírito Santo para a tomada de uma decisão sobre o novo papa", repetiu Peter Erdo, cardeal húngaro e o mais jovem entre os eleitores. Para o cardeal da Nova Zelândia, Thomas Williams, a chave da decisão está mesmo com o Espírito Santo. O polonês Stanislaw Nagy ressaltou que a eleição é um "enigma do Espírito Santo". O arcebispo indiano Cyril Baselios acredita que a escolha não será difícil, pois "ela cabe ao Espírito Santo".

A confiança dos cardeais no poder divino para a escolha do papa tem uma explicação. Pedro, o primeiro papa, não foi eleito por voto, mas escolhido por Cristo para liderar a Igreja. Dois mil anos depois, as especulações, conchavos políticos e necessidade da Igreja de encontrar um papa para lidar com os desafios atuais não são excluídos das considerações.

"O Espírito Santo vai falar e quer que o Papa seja fiel ao anúncio do Evangelho e dê esperança ao mundo conturbado que temos", insistiu d. Geraldo. "Não somos nós e nossos planos e com nossas capacidades que vamos dizer ao Espírito Santo o que é o melhor. Se for o Espírito Santo quem conduzirá a eleição, não precisamos nos preocupar."

Assim como 114 dos 116 arcebispos que escolherão o novo papa, d. Geraldo votará pela primeira vez. "Eu sou noviço", afirmou, lembrando que o Código de Direito Canônico fala sobre todos procedimentos do voto, mas não em quem votar. "Ninguém tem experiência, tudo é novo", acrescentou o cardeal espanhol Carlos Vallejo, outro novato.

Em Roma, os principais vaticanistas apontam que o grupo de cardeais latino-americanos pode ter peso significativo na escolha. Mas d. Geraldo garante que desde a morte do papa não falou com nenhum outro cardeal e nem foi procurado. "Digo com muita clareza. Não fui contatado por ninguém e nem se falou em fazer uma reunião de bloco", disse o brasileiro, que prevê diálogo entre os membros do conclave, incluindo pequenos grupos. Segundo ele, o conclave não conta com tradução simultânea. "Em alguma língua nos entenderemos", disse.

O Vaticano já definiu em que condições essas reuniões ocorrerão. O arcebispo Piero Marini, da Santa Sé, confirmou que sinos tocarão e uma fumaça branca será liberada caso o conclave chegue a uma decisão. A fumaça será liberada pela queima dos votos, que permanecerão secretos para sempre. Se não houver definição, uma resina será posta entre as cédulas para que a fumaça seja preta.

O local do conclave também mudou e não será apenas na Capela Sistina. Outros recintos também serão usados. Os cardeais só poderão deixar o Vaticano depois da escolha do papa.

Nenhuma gravação dos debates será permitida. Os cardeais não poderão receber ou enviar mensagens, nem ler jornais, ouvir rádio ou ver televisão. Qualquer violação das regras resultará em graves sanções espirituais.

O novo papa terá grandes desafios pela frente. O cardeal angolano Alexandro do Nascimento acha que a Igreja deve ser mais solidária com os mais pobres. Já os cardeais Baselios (indiano) e Negy (polonês) destacam a necessidade do diálogo com outras religiões. D. Negy alerta que essa missão tem sido difícil com os muçulmanos. "Temos de ter paciência", concluiu.