Título: Proposta inaceitável
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Fonte: O Estado de São Paulo, 03/03/2005, Notas e Informações, p. A3

Após ouvir pacientemente uma exposição detalhada do plano de recuperação da Varig feita pelo Unibanco, um representante da equipe econômica do governo perguntou ao expositor se o banco para o qual trabalha faria algum empréstimo nas condições pedidas para a empresa aérea. A resposta foi um sorriso amarelo. A Varig já está inscrita num plano de parcelamento especial de dívidas com o Fisco, o Refis 2, pelo qual está pagando cerca de US$ 1 bilhão em 216 meses. Mas acha pouco. Quer pagar os R$ 3,4 bilhões que deve ao governo em impostos e contribuições previdenciárias em 420 meses, ou 35 anos, sem multas e encargos decorrentes da inadimplência. Quer, ainda, isenção de Imposto de Renda para a venda de suas ações, mesmo que obtenha lucro, e que os prejuízos contabilizados pela empresa sejam deduzidos do cálculo da dívida. A Varig admite que as parcelas da dívida sejam corrigidas pelo IPCA.

Como essas condições não poderiam beneficiar apenas a Varig, elas seriam transformadas em uma emenda ao projeto de lei, em tramitação no Senado, que complementa a Lei de Falências, recentemente aprovada. Esse projeto trata do parcelamento de débitos junto à Receita Federal, ao INSS e à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, pelas empresas em processo de recuperação judicial. O que o projeto prevê é um parcelamento de até 84 meses, com acréscimo de juros de mora equivalentes à taxa Selic mais 1% ao mês.

Comparados os termos da proposta feita em nome da Varig e do projeto em tramitação, fica evidente por que agiu com tanta desenvoltura o lobby que acabou convencendo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a não vetar o artigo 199 da Lei de Falências que, introduzido por emenda no texto original, contrariava o espírito da lei ao permitir a recuperação judicial de empresas concessionárias de serviço público e, explicitamente, as companhias aéreas. Aberta aquela brecha, tentou-se impingir aos contribuintes a bilionária imoralidade repelida pelas autoridades fazendárias.

O caso, no entanto, não está encerrado. O tal plano de recuperação da Varig não contou com o apoio dos técnicos dos ministérios econômicos. Mas não foi fechado o caminho para que os representantes da empresa façam forte pressão política sobre o vice-presidente e ministro da Defesa José Alencar, encarregado pelo presidente da República de tratar das questões da aviação civil, e sobre o Congresso, onde já existe uma "bancada do ar".

As facilidades pedidas pela Varig seriam absurdas, se beneficiassem apenas a empresa. Apresentadas como emenda a um projeto de lei - ou de uma medida provisória, como se chegou a cogitar -, elas são verdadeiramente imorais, para não dizer escandalosas. Não é preciso ter imaginação fértil para antever o que aconteceria se fosse transformado em lei esse esquema de parcelamento de débitos fiscais de empresas concessionárias de serviços públicos. Imunes a qualquer tipo de sanção, elas simplesmente deixariam de pagar impostos até que, formado um estoque de bom tamanho, proporiam uma "reestruturação" de pai para filho.

De resto, o problema da Varig não se resolveria com esse parcelamento prejudicial para o Fisco e estimulante para os sonegadores. Para se manter em dia com o Refis 2, o que lhe custa prestações mensais de cerca de R$ 20 milhões, a Varig está deixando de pagar salários em dia e de manter em condições de vôo todas as suas aeronaves, uma vez que os fornecedores de combustíveis exigem pagamento à vista. Isso significa que a empresa não está gerando fluxo de caixa suficiente para uma operação sadia. Em outras palavras, a sua receita está aquém da despesa e, num quadro como esse, a tendência é o agravamento inexorável da situação financeira da empresa.

A saída seria uma injeção de capital por parte de um novo sócio. Mas quem se arriscaria a cobrir um passivo de R$ 10 bilhões, herdando uma estrutura administrativa arcaica e que já se provou ineficaz, para controlar uma empresa aérea em franca decadência? Como a solução de mercado - que todos dizem preferir - não surge e fica cada vez mais improvável, sucedem-se os "planos de reestruturação", sempre generosos com o dinheiro do contribuinte. A função do governo não é salvar a Varig, dando-lhe privilégios fiscais. É regular o setor aéreo, para que seus problemas estruturais não contaminem, no futuro, empresas que até agora têm sido administradas com eficiência e prudência.