Título: Presidente da Câmara foi pressionado até pela filha
Autor: Gilse Guedes
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/03/2005, Nacional, p. A4

Deputada diz que abre mão de princípios religiosos para salvar vidas e defende projeto da Biossegurança BRASÍLIA - Filha do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), a líder do PP na Assembléia Legislativa de Pernambuco, Ana Cavalcanti, aderiu aos deputados que defendem a Lei da Biossegurança e assumiu o lobby para aprová-la. Disposta a falar com todo mundo e conseguir votos para a proposta na Câmara, Ana saiu ontem do Recife e desembarcou em Brasília para explicá-la aos deputados que encontrasse pelo caminho. Em conversas de filha para pai, ela se apresenta como uma rebelde com causa por defender a proposta que pode "salvar vidas", porque autoriza pesquisas com células-tronco embrionárias. A avaliação é que as pesquisas podem ajudar a conhecer melhor doenças como Mal de Parkinson, diabetes, distrofias musculares e lesões medulares, e encontrar sua cura.

Por ser católico, Severino é contra a liberação dos estudos que envolvem o uso de células embrionárias. Ana também é católica, mas tem outra posição. "Abro mão dos meus princípios religiosos em favor desta causa", disse. Ela prometia ficar "na cola" do pai para convencê-lo da importância de permitir estudos com células-tronco. "Sei que de Deus está orgulhoso com minha atitude", repetia pelos corredores da Câmara.

Em casa, ela tem o apoio da mãe, Amélia. Antes da votação e de se reunir no gabinete da presidência da Câmara com os ministros de Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos, e Agricultura, Roberto Rodrigues, e a cientista Mayana Zatz, da Universidade de São Paulo (USP), todos defensores do projeto, Ana conversou com o Estado sobre seu empenho na sua aprovação.

Ana acompanhou a votação no plenário, ao lado do relator do projeto, Darcísio Perondi (PMDB-RS). Depois de toda a torcida, ela comemorava o resultado fazendo o v da vitória, abraçada com Perondi.

Por que a sra. é a favor do projeto de lei da Biossegurança?

Eu sou fisioterapeuta e terapeuta ocupacional. Sempre trabalhei com portadores de necessidades especiais com lesões na medula, doenças degenerativas e escleroses múltiplas. Sempre vi pacientes meus indo embora por falta de avanços da ciência. Podemos dar grandes saltos com as pesquisas com células-tronco embrionárias. Quantas vidas poderão ser salvas? Quantas pessoas poderão voltar a andar, viver com maior independência? Já sabemos que a utilização em pacientes auto-imunes de células-tronco adultas retiradas do sangue do cordão umbilical dos bebês não tem uma resposta tão boa.

Como a sra. se sente, ao defender uma idéia contrária às posições de seu pai?

Há tempos que venho conversando com ele. Sempre digo a ele que essa causa é para salvar vidas. Eu até já reuni meu pai com pacientes portadores de necessidades especiais, para que tivesse a dimensão da importância dos estudos. Sei que é preciso cautela da ciência nas pesquisas, mas precisamos evoluir. Não podemos ser irresponsáveis. Sempre digo para meu pai que serão usadas células de embriões até o 14.º dia. Muitos embriões que estão nas clínicas de fertilização não serão fertilizados e serão descartados.

Depois de ouvir seus argumentos, qual é a reação de seu pai?

Ele disse que vai agir como magistrado na Câmara. Mas estou colada nele, para convencê-lo da importância da proposta. Por causa de meus pais, tive uma formação religiosa. Mas abro mão dos meus princípios religiosos em favor desta causa.

A sra. convencer sua mãe a lutar por esse projeto, não foi?

Desde o início da discussão, ela é a favor. Minha mãe tem a mesma compreensão.