Título: Especialistas queriam leis distintas
Autor: Herton Escobar
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/03/2005, Nacional, p. A5

Texto mistura transgênicos e uso de embriões humanos para pesquisas com célula-tronco, temas polêmicos e de alta complexidade As pesquisas com transgênicos e com células-tronco embrionárias são duas coisas completamente diferentes, apesar de estarem misturadas no mesmo projeto de lei. A transgenia envolve, principalmente, a manipulação do DNA de plantas para torná-las mais resistentes a pragas e herbicidas, enquanto as pesquisas com células-tronco envolvem o cultivo de células com o objetivo de curar doenças - sem qualquer tipo de manipulação genética. Para que as células sejam obtidas, entretanto, é necessário destruir embriões humanos, o que contraria certos conceitos éticos e religiosos. A mistura tem origem na atual Lei de Biossegurança, de 1995. Além de vetar a manipulação genética de células germinais humanas (óvulos e esperma), ela proibia a "produção, armazenamento ou manipulação de embriões humanos destinados a servir como material biológico disponível", o que impedia a obtenção de células-tronco embrionárias.

Quase todos concordam que os assuntos seriam mais bem tratados em legislações diferentes - inclusive cientistas e ambientalistas, que se digladiam sobre a questão dos transgênicos. "O uso de embriões humanos não é uma questão de biossegurança, é uma questão de ética", afirma Ventura Barbeiro, da campanha de Engenharia Genética do Greenpeace.

Separar os assuntos agora, entretanto, teria sido muito complicado, segundo o advogado Reginaldo Minaré, especialista em biotecnologia e ex-assessor técnico da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). "Como a lei atual já fala de embriões, você precisaria de dois projetos que teriam de ser votados sempre juntos, ou que cada um revogasse uma metade da lei. Não seria impossível, mas difícil."

Apesar de toda a polêmica, Minaré acredita que um debate não prejudicou o outro. "São públicos diferentes," disse. "Simplesmente trouxe mais volume de discussão para o mesmo projeto."

Para o pesquisador Aluízio Borém, especialista em biossegurança da Universidade Federal de Viçosa, as células-tronco deram mais visibilidade à discussão da Lei de Biossegurança como um todo. Antes da votação na Câmara, ele lamentava a mistura dos dois assuntos. "É uma pena que tenhamos uma lei que misture questionamentos éticos, sobre embriões humanos, com questões técnicas, sobre plantas transgênicas."

Barbeiro, do Greenpeace, acha que a polêmica ética em torno das células-tronco prejudicou o debate científico sobre os transgênicos e dificultou a compreensão dos temas por parte da população. "Ficou tudo muito confuso: planta transgênica, embrião humano", disse. "Nossa opinião é de isso deveria ter sido tratado em outro projeto de lei desde o início."

POTENCIAL TERAPÊUTICO

As células-tronco embrionárias são células indiferenciadas do embrião que têm a capacidade de formar todos os tecidos do organismo. Elas podem ser obtidas de embriões produzidos por fertilização in vitro ou, em um estágio mais avançado, de embriões clonados a partir de células do próprio paciente. A nova Lei de Biossegurança aprovada ontem, entretanto, autoriza apenas o uso de embriões que estejam congelados em clínicas de fertilização in vitro há mais de três anos e que sejam doados para pesquisa com o aval dos genitores.

Cientistas esperam utilizar as células-tronco para estudar o processo de diferenciação celular e produzir tecidos que possam ser usados na reparação de lesões (por exemplo, na medula espinhal) e no tratamento de doenças como Parkinson e Alzheimer.