Título: Lula avisa que não tem pressa de fazer reforma ministerial
Autor: Vera Rosa e Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/03/2005, Nacional, p. A10

Enquanto PP usa representação na Câmara para negociar vagas, presidente diz que nem começou a pensar na troca de ministros

PAYSANDÚ - O governo tenta a todo custo desvincular a reforma ministerial da aguardada decisão do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), encarregado de decidir se aceita ou não representação do PSDB para abrir processo contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva por crime de responsabilidade. A tendência é Severino arquivar o pedido dos tucanos, mas ele foi aconselhado por dirigentes do PP a empurrar a decisão oficial para que o partido possa "negociar melhor" com o governo. Ao perceber esse movimento, Lula disse ontem que nem começou a pensar na troca de ministros. "A reforma será produtiva para o governo e a sociedade, mas estamos fazendo isso sem nenhuma pressão, sem nenhuma pressa, porque acho que as coisas estão indo bem. Não tenho um dia preciso para anunciar a reforma", afirmou Lula, após inaugurar a unidade de processamento de malte da AmBev, na cidade uruguaia de Paysandú.

Na terça-feira, o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), disse que a mudança na equipe começaria na segunda-feira. Ontem, no entanto, Lula retomou o discurso de dar tempo ao tempo para esperar baixar a temperatura política. "Agora que acabaram as eleições na Câmara e no Senado tenho de começar a pensar nisso", comentou.

Mas na prática a reforma deve mesmo ser concluída no máximo até a Semana Santa. Uma das alternativas em estudo é ampliar o espaço dos partidos aliados no núcleo de coordenação política do governo, composto hoje por ministros petistas com exceção do ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo (PC do B), que tem sido bombardeado pelo PT.

Lula ainda está contrariado com a crise instalada em Brasília depois que ele disse, em discurso no Espírito Santo, que mandou um "alto companheiro" de uma estatal fechar a boca sobre suposto esquema de corrupção no governo de Fernando Henrique Cardoso. É por causa dessa declaração que a oposição, capitaneada pelo PSDB, quer enquadrar o presidente em crime de responsabilidade.

Em conversas reservadas, Lula não se cansa de repetir que essa crise é artificial. "Um dia vou perguntar à imprensa o que ela acha da repercussão que foi dada ao assunto", afirmou, sem esconder a irritação, pouco antes deixar a cidade.

SATISFEITO

Por recomendação do presidente, Rebelo procurou ontem negar a insatisfação com a atitude do secretário-geral do PT, Sílvio Pereira, que defendeu publicamente a mudança na articulação política do governo. "Não perdi a paciência, não me sinto incomodado nem injustiçado pelo PT", amenizou o ministro, à saída da solenidade de entrega da proposta de reforma sindical ao presidente da Câmara.

Sempre discreto, Rebelo disse ter ficado "satisfeito" depois que telefonou ao presidente do PT, José Genoino, terça-feira, e ouviu dele que as afirmações de Pereira refletiam uma "opinião pessoal". Tudo, porém, não passa de retórica. "A vida política impõe aos partidos determinadas necessidades", contemporizou Rebelo, quando indagado se considerava legítima a pressão do PT para defenestrá-lo do cargo. "Eu continuo trabalhando normalmente. Sou pago para isso."

De qualquer forma, petistas de várias patentes continuam dando estocadas em Rebelo nos bastidores. Um grupo do partido quer pôr na Coordenação Política o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP). Outro defende a volta do chefe da Casa Civil, José Dirceu, e há quem aposte até no deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP). Até agora, porém, tudo indica que Rebelo permanecerá onde está.