Título: Moratória acabou, inferno não, diz Kirchner
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/03/2005, Economia, p. B9

Presidente argentino diz que ainda é preciso muito trabalho para tirar o país da severa crise econômica que vem desde 2001 MONTEVIDÉU - A Argentina pode ter deixado a moratória para trás, mas ainda não saiu do "inferno" causado pela severa crise econômica que atingiu o país em 2001, disse ontem o presidente do país, Néstor Kirchner, em entrevista à Radio uruguaia Diez. Ele reuniu-se ontem com os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Hugo Chávez, da Venezuela. A Argentina renegociou o pagamento de US$ 102 bilhões de sua dívida externa. Após o encontro dos presidentes, o ministro argentino das Relações Exteriores, Rafael Bielsa, afirmou que o país não vai, "absolutamente", iniciar a negociação de qualquer tipo de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) ao longo deste ano. Ele esclareceu, porém, que, apesar da resistência de seu país em buscar ajuda financeira do Fundo, a Argentina continuará a cumprir com os compromissos previstos para este ano com a instituição.

O ministro argentino esvaziou os argumentos apresentados pela imprensa de que o Brasil teria deixado a Argentina à deriva, no difícil momento em que conduzia a renegociação de sua dívida e se contrapunha às posições do FMI.

Bielsa insistiu que reconhecia o empenho das autoridades brasileiras em favor da Argentina nos foros internacionais e que o País havia preferido uma outra forma de se relacionar com o Fundo.

"Eu jamais poderia dizer que o Brasil tentou se descolar da Argentina. O Brasil escolheu uma forma de lidar com o Fundo e nós, outra", afirmou. "A Argentina antagonizou-se com o FMI. Mas não com o Brasil."

PROPOSTAS

Bielsa, entretanto, retomou antigas propostas argentinas que já causaram aborrecimentos nos gabinetes de Brasília. Uma delas é a de unificação das posições do Brasil e da Argentina - mais tarde, da Venezuela e do restante da América do Sul - para uma atuação conjunta nos organismos financeiros internacionais. A outra é a da negociação Brasil-Argentina com o próprio FMI. "Negociarmos juntos com o Fundo continua a ser uma meta", insistiu o chanceler.

De acordo com Bielsa, a renegociação da dívida argentina foi conduzida de maneira profissional, concluída de forma satisfatória e pode servir como exemplo a outros países. Mas não traz motivos de euforia. Para ele, a Argentina ainda tem o desafio de se livrar do estigma de mau pagador e de recuperar uma imagem de seriedade e rigor.

O anúncio de hoje, afirmou, permitirá a retomada dos fluxos de crédito e de investimentos produtivos ao país, o que deverá garantir as condições para o crescimento econômico.

Integrante da comitiva do presidente Lula, o senador Aloízio Mercadante (PT-SP) mostrou-se menos otimista em relação à capacidade da Argentina em atrair investimentos no futuro, apesar da necessidade brutal do país vizinho em pôr em andamento obras de infra-estrutura e novas plantas produtivas. Ele lembrou que a renegociação deverá abranger cerca de dois terços da dívida argentina e que o restante continuará em pendência judicial.