Título: Abit quer salvaguardas contra importação de têxteis da China
Autor: Patrícia Campos Mello
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/03/2005, Economia, p. B13

Associação Brasileira da Indústria Têxtil, dirigida pelo filho do vice José Alencar, pede combate à concorrência desleal

O presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), Josué Gomes da Silva, sugeriu ao governo a adoção de salvaguardas contra as importações de produtos têxteis da China. "O Brasil pode e deve adotar salvaguardas contra os têxteis da China", afirmou Gomes da Silva, presidente da Coteminas e filho do vice-presidente José Alencar. Argentina e Estados Unidos já adotaram o instrumento de defesa comercial. De acordo com as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), o Brasil tem direito de aplicar salvaguardas contra produtos chineses até 2009, sem provar dano à indústria doméstica - basta provar a iminência de dano.

Gomes da Silva quer que o governo regulamente e aplique essas salvaguardas, a exemplo do que fizeram a Argentina e os Estados Unidos. "Devemos combater a concorrência desleal, precisamos impor barreiras", disse o empresário durante o seminário "A emergência da China - Oportunidades e Desafios para o Brasil", realizado ontem pela Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F) e pelo Conselho Empresarial Brasil-China.

Segundo Gomes da Silva, em 2004 a balança comercial de manufaturados com a China já apresentou déficit, de US$ 1,6 bilhão. "Este ano, poderemos ter um déficit comercial geral com a China".

Os maiores crescimentos nas importações chinesas em 2004 foram de eletroeletrônicos (514%) e fios sintéticos (mais de 600%). "A China respondia por 21% das importações brasileiras de têxteis e vestuário em 2002. Em 2004, a participação pulou para 61%."

Gomes da Silva acusou a China de estar envolvida em comércio ilegal. "Importadores estão subfaturando produtos que trazem da China para não pagar impostos", afirmou.

Segundo ele, no ano passado, entraram 60 milhões de luvas no Brasil, por R$ 0,04 cada uma, e calças masculinas a R$ 0,50. "Os brasileiros importam vestuário chinês a um preço médio 79% inferior ao conseguido por importadores americanos. Somos muito bons negociantes, compramos produtos chineses a 20% do preço que os americanos pagam", ironizou Silva.

TAL PAI, TAL FILHO

Silva aproveitou para alfinetar a política de juros. "Graças a essa política monetária excessiva, tivemos uma valorização do câmbio que diminuiu a competitividade do setor industrial."

Ele criticou também a proposta de dar à China reconhecimento de economia de mercado.

"A China não pratica economia de mercado", disse, e depois mostrou uma capa da revista Business Week, sobre os falsificados da China. "Eles estão copiando desde bolsas Louis Vuitton até carros e antibióticos", protestou.

QUEDA DO IMPÉRIO: Parece que a lua-de-mel com a China acabou. No ano passado, toda semana havia um evento para falar sobre as maravilhosas oportunidades no império chinês. Ontem, o tom era bem diferente. O seminário "A emergência da China: oportunidades e desafios para o Brasil" acabou se transformando em um evento anti-China. Josué Gomes da Silva, presidente da Coteminas e filho do vice José Alencar, acusou a China de pirataria e comércio ilegal.

O professor de economia da PUC-RJ Marcelo de Paiva Abreu, afirmou que a indústria siderúrgica brasileira sofrerá uma grande competição da China. "A siderurgia brasileira está muito vulnerável, por causa do aumento de investimentos recentes no setor, na China", disse. "A siderurgia chinesa, usando minério de ferro do Brasil, será uma temível competidora das siderúrgicas brasileiras." Abreu também afirmou que é um "mistério" o Brasil ter tão poucas ações de defesa comercial (antidumping, salvaguardas), contra a China.

Até o secretário do Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Ivan Ramalho, fez sua observação, ainda que bastante sutil. Ramalho afirmou que o intercâmbio comercial com a China foi essencial para o Brasil alcançar os US$ 100 bilhões de exportações nos últimos 12 meses. "Mas, neste ano as exportações para a China estão crescendo pouco, e as importações tiveram um crescimento extraordinário", disse. E, dirigindo-se ao embaixador chinês, Jinang Yuande: "A sociedade espera que possamos aumentar nossas exportações também."

Teve gente que se exaltou. O vice-presidente da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Carlos Pastoriza, disse que a experiência do setor com a China era traumática. "Nós só conseguimos exportar uma ou duas máquinas, que depois eles copiam e vem vender aqui dentro, por preço muito menor; imitando até as marcas brasileiras", disse. "Nós temos paúra de vender para a China."

O seminário ganhou clima de Fla-Flu quando o consultor Benny Nilsson, de Santos, pegou o microfone e discursou por cinco minutos. "A China não é uma ameaça, é o novo império econômico do mundo e está em aliança com o Brasil", disse. "Essas idéias são desses intelectualóides retrógrados que estão falando aqui", disse, referindo-se aos palestrantes.