Título: Tecnologia nacional para salvar prematuros
Autor: Karine Rodrigues
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/02/2005, Vida&, p. A11

Instituto Butantã e USP iniciam teste de substância fabricada de forma nova e barata RIO - Uma parceria entre o Instituto Butantã e a Universidade de São Paulo (USP) pode ajudar o País a reduzir os indicadores de mortalidade infantil. Em março, 34 maternidades públicas em 9 Estados iniciarão o ensaio clínico do primeiro surfactante fabricado no Brasil, financiado pelo Ministério da Saúde. A substância, que regula o funcionamento dos pulmões, existe em todo o ser humano, mas em quantidade insuficiente em recém-nascidos prematuros. Quando aplicado, o medicamento diminui em até 80% o risco de morte por Síndrome do Desconforto Respiratório, freqüente em bebês com menos de 30 semanas de gestação. Além dos benefícios sociais, a parceria é motivo de comemoração no aspecto científico e econômico, pois o surfactante do Butantã é produzido por uma metodologia mundialmente inovadora, permitindo reduzir, em até dois terços, o preço de mercado da dose, segundo o secretário de Atenção à Saúde do ministério, Jorge Solla. O valor atual para a compra de pequenas quantidades varia de R$ 600 a R$ 800, informou ele.

"O ensaio clínico e a validação do surfactante nacional significarão importante ampliação do acesso a este medicamento, além de ampliar suas indicações terapêuticas e discutir seu uso profilático. Os benefícios vão além do setor da saúde, na medida em que representam a autonomia do País em relação a um produto importado e a possibilidade futura de importação. Esta iniciativa é capaz de reduzir a mortalidade neonatal, objetivo perseguido pelo Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal", disse Solla ao Estado.

Para produzir as 2 mil doses necessárias ao ensaio clínico, o Butantã receberá R$ 600 mil do ministério, que serão aplicados também em infra-estrutura. Já as maternidades selecionadas pela instituição coordenadora do projeto, a USP, receberão R$ 400 por criança participante. São Paulo é o Estado com o maior número de unidades escolhidas: sete. Também participam Minas (6), Rio (5), Pernambuco (5), Rio Grande do Sul (5), Sergipe (2), Distrito Federal (2), Bahia (1) e Maranhão (1). Durante os testes, mil crianças receberão o surfactante nacional e outras mil, o tradicional.

"Após a apresentação e a conferência dos questionários preenchidos, serão, ao todo, R$ 800 mil destinados a garantir a qualidade da informação produzida durante o ensaio clínico e que podem ser revertidos pelas instituições em melhoria da qualidade do atendimento neonatal nestes serviços", explicou Solla.

Coordenador da Unidade de Pesquisa Experimental do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da USP, Celso Rebello afirmou que os testes com animais comprovaram a segurança do surfactante brasileiro. "Ele não causa reações alérgicas e, além disso, tem prazo de validade de até um ano, ou seja, é um desempenho equivalente ao dos produtos que importamos, fabricados na Europa e nos Estados Unidos."

BOM E BARATO

O inovador na tecnologia do Butantã, segundo Rebello, não é o material, mas a forma de produção. "O brilhante é que é realizado com equipamentos mais simples, que diminuem os custos e, assim, possibilitam a melhoria do atendimento materno-infantil, permitindo reduzir a mortalidade no primeiro mês de vida", afirmou, explicando que isso é possível porque, em decorrência do custo elevado do medicamento importado, o Sistema Único de Saúde (SUS) paga apenas uma dose por prematuro, ou seja, com idade gestacional abaixo de 37 semanas. "O bebê pode precisar até de três."

Conforme o diretor da Divisão de Desenvolvimento Tecnológico e Produção do Butantã, Isaias Raw, a tecnologia é diferente de tudo que já se fez. "Usamos pulmão de porco para desenvolver um surfactante muito mais barato, mais fácil de fazer e com qualidade", disse, sem detalhar o processo.

Caso o ensaio clínico comprove a eficácia do surfactante nacional, será possível beneficiar também bebês e adultos que sofrem de outras doenças, além da Síndrome do Desconforto Respiratório. Estudos internacionais indicam que o medicamento hoje no mercado é eficiente, por exemplo, em casos de pneumonias graves. O ensaio clínico deve durar 18 meses.