Título: De luto, Beirute fecha comércio e repartições públicas
Autor: Paula Schmit
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/02/2005, Internacional, p. A13

Clima na capital libanesa é mais de revolta e tristeza do que de medo por novos atentados como o que matou Hariri BEIRUTE - O Líbano está de luto. A explosão que matou Rafic Hariri é a maior desde o fim da guerra civil libanesa, e com ela se vai uma das principais personalidades políticas do Líbano. Mais do que em outros lugares do mundo, na política libanesa unanimidade não existe, mas Rafic Hariri conseguia transcender divisões religiosas como ninguém. O clima é mais de tristeza e revolta do que de medo. Apesar da destruição causada pela bomba, o ataque foi preciso. As ruas continuam movimentadas e o governo decretou três dias de luto oficial.

Estabelecimentos comerciais devem ficar fechados, principalmente nas áreas muçulmanas da cidade, e as principais repartições públicas estarão inativas nesse periodo. Os canais de TV também estão de luto, e mostram apenas concertos de música clássica e notícias. Todos os outros programas foram cancelados.

Hariri não era apenas o maior líder político dos muçulmanos sunitas, mas também o principal garoto-propaganda do país. Um dos homens mais ricos do mundo, de acordo com a revista Forbes, o homem de US$ 4 bilhões era motivo de orgulho para muitos libaneses. Sob sua influência direta e pessoal, ele foi o responsável pela arrecadação da maior ajuda financeira que o Líbano já teve. Por outro lado, Hariri era visto também como o principal culpado pela dívida externa do Líbano, uma das maiores dívidas per capita do mundo. Mas sua intimidade com líderes políticos mundiais, como a amizade com Jacques Chirac, e o acesso que tinha a vários círculos diplomáticos, eram vantagens ineditas entre a maioria dos políticos do Oriente Médio.

Mas para muitos, Hariri era mais empresário do que político. Responsável máximo pela reconstrução de Beirute depois de 15 anos de guerra civil, ele era também o maior acionista da empresa Solidère, que criou para reconstruir a cidade. A empresa obrigou à desapropriação de lojas e casas, pagando indenizações baixas e vendendo os novos imóveis por preços que chegam a fazer do centro de Beirute um lugar em que o metro quadrado chega a ser um dos mais caros do mundo.

Hariri também era dono de empresas ligadas a concessões públicas, como coleta de lixo, telefonia e reconstrução de áreas governamentais.

Primeiro-ministro libanês pela maior parte dos últimos 12 anos, Hariri entrou e saiu do governo fazendo e desfazendo alianças com a Síria e era o real detentor de poder político no Líbano. Mas em outubro ele deixou o cargo em protesto contra a extensão inconstitucional do mandato do presidente Émile Lahoud. Orquestrada pela Síria, a manobra acabou fazendo de Hariri o líder da oposição, e o ex-primeiro-ministro se colocou publicamente contra a ocupação do Líbano pela Síria.

O país está divido em dois campos, e poucos sabem qual é a pior das opções. Se por um lado uns querem a retirada das tropas sírias e o desarmamento do Hezbollah, como determina a Resolução 1559 das Nações Unidas, por outro lado existem aqueles que preferem a dominação pelo vizinho sírio à imposição dos desígnios americanos e israelenses, como é vista a resolução das Nações Unidas.