Título: O impacto do câmbio na inflação
Autor: Ilan Goldfajn
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/02/2005, economia, p. B2

Dizem que, para cada dois economistas, existem três opiniões diferentes sobre qualquer assunto. A eficácia dos diversos canais de transmissão da política monetária é um bom exemplo. Qual será o impacto da elevação da taxa Selic sobre a inflação? Haverá alívio na inflação que permitirá interrupção e reversão do aperto monetário recente? Qual é o efeito da apreciação cambial sobre a inflação? Poucos duvidam que uma depreciação (ou apreciação) permanente da taxa de câmbio, no Brasil, terá algum efeito na inflação no longo prazo. Afinal, na medida em que o Brasil mantém a sua economia aberta ao comércio exterior, uma mudança permanente da taxa de câmbio afeta os bens comercializáveis (aqueles que são influenciados diretamente pela cotação da taxa de câmbio) e, eventualmente, influencia o resto da cadeia de preços. É o chamado pass-through, ou repasse da depreciação à inflação. Mas a concordância termina aí. Qual é o impacto da depreciação cambial sobre a inflação no curto e médio prazo? E se a depreciação (ou apreciação) não for (percebida como) permanente? A evidência empírica nessa área em diversos países mostra que os movimentos cambiais têm impacto relevante para a inflação nos meses seguintes. O grau de repasse varia de acordo com o grau de abertura da economia, o nível do câmbio real (que captura quão transitório é o movimento cambial), o momento do ciclo econômico e o grau de inércia inflacionária. O repasse cambial tende a situar-se entre 5% e 20% do movimento cambial (isto é, 10% de apreciação cambial reduz a inflação entre 0,5 e 2 pontos porcentuais), dependendo do país e dos seus fundamentos, o que tende a ser menor do que se pressupunha uma década atrás.

No Brasil, há uma relação próxima dos movimentos cambiais com o índice de preços por atacado (IPA industrial) e o índice de preços ao consumidor (IPCA). Essa relação é confirmada por diversos exercícios econométricos. A correlação é mais próxima quando analisadas as médias trimestrais (para tirar ruídos de curtíssimo prazo) e a inflação dois a três meses à frente (para levar em conta a defasagem temporal). A relação entre a depreciação do câmbio e a inflação no atacado nos dois meses seguintes é mais estreita. O impacto da apreciação cambial dos últimos meses no IPA industrial já está em curso e deve aprofundar-se no futuro próximo. A relação da depreciação cambial com a inflação ao consumidor nos três meses seguintes também é próxima. No entanto, o impacto da recente apreciação ainda não se refletiu plenamente nos preços ao consumidor. Mas, se a História recente é parâmetro confiável, devemos ter uma contribuição positiva para a inflação no futuro próximo.

Hoje, o elevado diferencial da taxa de juros tem impactado o mercado de câmbio e os fluxos de capitais para o Brasil. A pressão para a apreciação do real é substancial e será revertida com o sucesso da política monetária no combate à inflação. Uma queda da projeção de inflação (e, posteriormente, da inflação corrente) abre o caminho para uma redução desse diferencial de juros e da pressão sobre o mercado de câmbio. Enquanto isso não ocorre, o Banco Central tem aproveitado para acumular reservas e reduzir a parcela indexada ao câmbio. Se a política monetária não for eficaz no combate à inflação, o reequilíbrio no mercado de câmbio vai ocorrer apenas com notícias ruins, quando os fundamentos do País piorarem ou quando houver um aumento da aversão ao risco no mundo. O mais provável é que a política monetária tenha sucesso e o diferencial de juros possa ser reduzido ao longo do tempo.

Em 2003, argumentava-se que a política monetária não teria capacidade de debelar a inflação muito elevada, herdada da depreciação de 2002. Hoje, duvida-se do efeito do recente aperto monetário. É possível que a inflação venha a ficar um pouco acima da meta ajustada este ano, porque estamos convergindo de uma inflação de 7,6% em 2004. Mas, assim como em 2003, não há motivos para ceticismo quanto à eficácia dos diversos canais de transmissão da política monetária.