Título: Aprendendo com a polícia cubana
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Fonte: O Estado de São Paulo, 06/03/2005, Notas e Informações, p. A3

O governo do PT assumiu um firme compromisso com a austeridade fiscal, a economia de mercado e a livre empresa, mas ainda tem recaídas que mostram a persistência de um ranço ideológico incompatível com a posição que se almeja para o Brasil, seja como líder regional, seja como um ator atuante no cenário global. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, faz bem quando tenta ampliar as oportunidades de comércio do Brasil, mas erra quando, no exercício da diplomacia presidencial, deixa de enfatizar os valores da democracia e da liberdade a interlocutores que o ouvem atentamente e sobre os quais tem influência. Ao não incluir na agenda de conversações com os líderes da China e de Cuba, por exemplo, aqueles temas, o presidente não está seguindo o princípio da não-intervenção em negócios internos de terceiros países; está apenas perdendo uma oportunidade para reclamar a universalização dos valores democráticos e para reafirmar a crença em princípios que norteiam, por imposição constitucional, a política externa brasileira.

Mais estranho do que essa omissão é a recaída ideológica que acomete outros membros do governo. O secretário nacional de Direitos Humanos, por exemplo, esteve à beira de visitar a China, para trocar informações sobre direitos humanos. Num país que não reconhece as liberdades e os direitos fundamentais, não há informações a trocar, a menos, é claro, que se queira inteirar de detalhes de um sistema que não permite a livre circulação das pessoas, limita com punições draconianas a liberdade de procriar e executa condenados com um tiro na nuca, logo após a exaração da sentença, cobrando depois o custo da bala da família do condenado. O motivo dessa viagem era tão absurdo, e provocou tanta estranheza, que o secretário Nilmário Miranda adiou, sem marcar nova data, a sua visita a Pequim.

Também é imensa a simpatia por Cuba. No ano passado, depois de idas e vindas à ilha, as autoridades educacionais do Brasil resolveram comprar tecnologia de ponta: um método castrista de alfabetização, juntamente com material didático. Ocorre que esse método é bastante semelhante a um telecurso usado com sucesso por uma rede de televisão brasileira há muitos anos. A compra do kit pelo governo brasileiro apenas serviu para dar ares de respeitabilidade a um processo que vinha sendo usado na Nicarágua e no Haiti.

Agora é o diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), delegado Mauro Marcelo, que está na berlinda. Ele esteve em visita oficial a Havana, com o objetivo de consolidar um programa de aproximação e intercâmbio entre a Abin e a Dirección General de Inteligencia (DGI), o serviço secreto cubano. Esse programa, obviamente criado para dar algum conteúdo prático aos freqüentes contatos entre autoridades brasileiras e cubanas, inclusive os presidentes Lula e Fidel Castro, já é, por si, uma excrescência. O monstrengo foi piorado com a visita do chefe da Abin, que assinou um acordo para o treinamento e a troca de experiência de agentes brasileiros, que irão a Cuba ainda este mês.

Cuba é um Estado policial. Lá, ninguém dá um passo sem que isso chegue ao conhecimento de um dos Comitês de Defesa da Revolução, organismos especializados em controle social e delação, diretamente ligados à DGI. A polícia secreta é, de fato, extremamente eficiente na fiscalização do comportamento dos cubanos. Qualquer desvio da linha justa revolucionária leva o dissidente à prisão ou ao paredão.

Seria interessante saber que tipo de experiência o delegado Mauro Marcelo espera que os agentes brasileiros que irão a Cuba, nesse programa de "aperfeiçoamento" profissional, receberão. Os métodos usados pela polícia secreta de Fidel Castro são próprios de um Estado totalitário e, portanto, absolutamente inadequados para um país, como o Brasil, onde impera o estado democrático de direito.

Há dias, o líder da minoria na Câmara, deputado José Carlos Aleluia (PFL-BA), apresentou requerimento de convocação do chefe da Abin à Comissão de Acompanhamento de Ações de Inteligência. O senador Arthur Virgílio, líder do PSDB, quer que o general Jorge Félix, chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência e superior hierárquico do chefe da Abin, preste esclarecimentos sobre o relacionamento entre os dois serviços secretos. Afinal, a Abin nada tem a aprender com a DGI, e, se tivesse, não precisaria enviar ninguém a Cuba, bastaria recorrer ao hoje ministro José Dirceu, que passou seu exílio em Havana especializando-se nesse tipo de informação.