Título: Conserto do Mercosul
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Fonte: O Estado de São Paulo, 06/03/2005, Notas e Informações, p. A3

Se os países do Mercosul quiserem ser uma força negociadora no cenário internacional, terão de resolver as disputas entre os parceiros e melhorar sua integração. A advertência é da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que acaba de publicar, em seu boletim Comércio Exterior em Perspectiva, um balanço pouco animador das atividades do bloco em 2004. No ano passado, segundo o boletim, os descompassos entre as economias dos quatro sócios afetaram suas negociações externas e sua credibilidade.

O balanço da CNI, tão sombrio quanto realista, foi divulgado no dia em que mais um governante da região, o presidente uruguaio Tabaré Vásquez, prometia trabalhar pelo fortalecimento do bloco.

Sua agenda contém alguns objetivos ambiciosos, como a formação de um parlamento do Mercosul. Mas inclui também um esforço de correção de problemas que o Mercosul deveria ter superado há muito tempo, como, por exemplo, o de restabelecer a disciplina da Tarifa Externa Comum e evitar a proliferação de restrições comerciais que distorçam o mercado.

A pauta apresentada pelo novo presidente uruguaio contém, implicitamente, um balanço parecido com aquele publicado pela CNI. Um de seus pressupostos é o reconhecimento de que o bloco regional continua preso a problemas incompatíveis com uma união aduaneira - status oficial do Mercosul, que impede os quatro membros de negociar isoladamente acordos de livre comércio.

A integração ficou praticamente estagnada em 2004, segundo a análise dos especialistas da CNI. O avanço foi "inexpressivo", porque a agenda interna do bloco ficou limitada, ou quase, à "contenção de estragos e retrocessos".

A política interna do Mercosul é marcada por um interminável contencioso entre Argentina e Brasil. A atuação de Brasília consiste principalmente em absorver e acomodar as medidas protecionistas do governo argentino, que atingem vários setores da indústria brasileira. Apesar disso, as trocas entre os países do bloco expandiram-se, estimuladas basicamente pela recuperação das economias argentina e brasileira.

Desarticulado, o bloco negociou mal com os parceiros externos. O projeto de formação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) empacou. O acordo com os países andinos ficou aquém do que poderia ser um acordo essencial para a integração sul-americana.

Os compromissos favorecem principalmente, segundo a CNI, o aumento de importações de produtos andinos pelo Brasil. Em edições anteriores do boletim, os técnicos da CNI divulgaram avaliações severas do acordo com os andinos.

As negociações com a União Européia também ficaram emperradas, porque as concessões oferecidas foram consideradas insuficientes pelos dois lados.

Os europeus propuseram, no comércio agrícola, facilidades menores que as pretendidas pelos sul-americanos. Mas estes foram modestos demais nas ofertas de abertura comercial para certos setores industriais, como o têxtil e o automobilístico. Em parte, a limitação das ofertas do Mercosul, na área industrial, decorreu da resistência argentina. Essa resistência não surpreendeu. Refletiu, afinal, problemas que vinham afetando também o comércio interno do Mercosul.

Diante dessas dificuldades, houve quem defendesse, no Brasil, o retorno do Mercosul à condição de zona de livre comércio, mais compatível com a integração efetiva alcançada pelos quatro sócios do bloco. Nesse caso, cada membro do Mercosul ficaria livre para negociar isoladamente seus acordos de livre comércio.

A idéia foi descartada pelo governo brasileiro, que preferiu tentar a reparação dos estragos. Mas a cúpula de Ouro Preto, no fim do ano, "terminou sem um salto de qualidade no processo de integração", segundo os técnicos da CNI.

O presidente Vásquez anunciou, na primeira entrevista coletiva depois da posse, que manterá a candidatura de Carlos Pérez del Castillo a diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC). O candidato uruguaio concorre com o brasileiro Luiz Felipe de Seixas Correa. Essa decisão cria um primeiro atrito com a política do Itamaraty. É mais um indício de como será complexo, apesar da retórica, o trabalho de recuperação do Mercosul.