Título: PT revê seus meios e modos
Autor: DORA KRAMER
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/03/2005, Nacional, p. A6

Para Genoino, o partido deve mudar condutas e recuperar a confiança dos aliados

Responsabilizado por onze entre cada dez petistas pela maior derrota do PT em dois anos de governo - a perda da presidência da Câmara -, o presidente do partido, José Genoino, assume a parte que lhe cabe nesse latifúndio. Não socializa culpas passadas, mas aconselha uma reforma geral de procedimentos; essencial para o PT compreender seus erros, se aprumar e dar curso ao projeto de reeleição em 2006.

Na opinião de Genoino, o partido tem sido mais prejudicado por seus equívocos de conduta que por questões de gerência governamental.

"É só prestar atenção. Em 2004, onde perdemos as derrotas não aconteceram por condenação às administrações petistas, mas por causa de comportamentos erráticos."

O presidente do PT não quer ficar repetindo os nomes dos errados, mas não tergiversa quanto à lista dos desacertos: menosprezo aos aliados, excesso de atenção ao marketing em detrimento da política militante e do debate de conteúdo, concessões demais ao pragmatismo, superexposição das brigas internas, desatenção às necessidades políticas dos parceiros em alianças eleitorais, dificuldade de compatibilizar circunstâncias do partido e necessidades do governo.

Na visão dele, corrigidos esses rumos, o governo e o partido estarão prontos para enfrentar a oposição, cujo discurso vai se concentrar na cobrança por eficiência administrativa, ressaltando a carência de resultados.

"Por aí não vai dar, porque temos muito a mostrar na área social, na política externa, na economia", diz, acrescentando que o desafio do PT está na reorganização da base política e na recuperação de alguns conceitos históricos deixados de lado com a ascensão ao poder.

"Sem prejuízo da governabilidade, é preciso trazer de volta ao centro da cena os princípios que fizeram a história do PT", prega, já avisando que ainda não tem a fórmula.

Mágica, diante da tarefa: manter unida uma base parlamentar não orgânica, ideologicamente heterodoxa, promover uma reaproximação com a antiga base social à esquerda e ainda conseguir fazer frente aos compromissos das alianças eleitorais nos Estados.

Isso tudo, evidentemente, mantendo vivo o interesse do eleitorado em dar mais quatro anos de mandato para Luiz Inácio da Silva. Fácil, José Genoino não acha que seja. Mas nem de longe enxerga impossibilidades.

E ainda por cima considera-se o condutor ideal do processo de, digamos assim, reafirmação do modo petista de ser combinado a uma maneira mais generosa de se relacionar com os contrários.

"Esse desafio me apaixona, por isso abri mão de qualquer pretensão eleitoral majoritária e de assumir cargos no governo." Genoino quer, no máximo, voltar a ser deputado federal em 2006. Sente falta do Parlamento, embora não saia de lá e tenha sido a Câmara o palco da derrota pela qual é responsabilizado.

Sem dedicar muito tempo a detalhes, Genoino dá a entender que, em matéria de equívocos, já entrou no episódio com o bonde andando. Mas assume: "Houve erro de cálculo, talvez uma subestimação do adversário e uma valorização inadequada das circunstâncias internas do PT."

De fato, pelo relato que ele e outros personagens de destaque fazem do caso, fica claro que a opção por Luiz Eduardo Greenhalgh como candidato oficial foi pautada pela necessidade de a direção do partido e o governo (daí também a injustiça de se creditar o infortúnio a uma só pessoa) acenarem a bandeira branca em direção à esquerda depois de dois anos de concessões ao centro e à direita.

Mas o cenário da reconciliação precisava ser a Câmara, um colegiado onde um parlamentar do perfil de Greenhalgh, de biografia construída na defesa de causas opostas às defendidas por vários grupos ali representados?

"Pois é, subestimamos esse dado", reconhece Genoino. Depois de tudo feito, os mesmos motivos que levaram à escolha do candidato impediam a sua remoção estratégica. Greenhalgh não poderia ser trocado sem desagradar mais ainda aos grupos que o PT pretendia agradar. Soaria como mais uma concessão aos "conservadores".

José Genoino confessa ter tido várias surpresas - "a atitude do PSDB, uma das mais desagradáveis" -, mas não está com a menor vontade de estender o período de luto. Prefere sacudir a poeira e tratar de dar um jeito na vida.

Providência urgente: restabelecer as relações de confiança com os partidos aliados, principalmente o PMDB.

"Ali é que está o nó, porque o partido tem história e capilaridade, e isso é essencial para o governo."

Sim, mas se relacionar em que bases com um partido sem comando, cuja direção formal é ignorada na interlocução com o Planalto?

"Pois é, acho que deveríamos conversar institucionalmente com o PMDB, distensionar as relações e antes de mais nada deixar o partido cuidar de si, sem interferências."

Vertical

O debate sobre reforma política recomeça nesta semana com foco no único ponto de fato interessante aos partidos no momento: o fim da obrigatoriedade de as alianças nos Estados repetirem a coligação partidária feita no plano nacional.

A chamada verticalização está na mira de todos os partidos. À exceção do PT, que quer mantê-la para garantir coligações fortes nos Estados em 2006.