Título: Sitiada, Novo Progresso sonha com a antiga calma
Autor: Luiz Maklouf Carvalho
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/03/2005, Nacional, p. A6

Depois de protesto que fechou a BR-163, cidade foi invadida por soldados, policiais e gente do Ibama e do Incra, mas ainda não conseguiu resposta para reivindicações Desde que virou município, há 13 anos, Novo Progresso, essa ex-corrutela de garimpo desbravada a braço, suor e bala, hoje com estimados 45 mil habitantes, no sudoeste do Pará, nunca viu tantas autoridades juntas. "É uma overdose de Estado", classifica o deputado estadual Arnaldo Jordy (PPS). De fato. É Exército para um lado, Polícia Federal para outro, visita dos ouvidores agrários nacional e estadual e dos superintendentes do Incra e do Ibama. Estes últimos já foram, deixando promessas de curto prazo. Mas os militares e os federais continuam de plantão.

"Estamos marcando a presença do governo e dando tranqüilidade e assistência médica à população", conta o tenente-coronel Lobo Cordeiro, sobre os 70 homens e mulheres do Exército, boa parte da área de saúde. "Nossa ação é preventiva, mas estamos investigando a meia dúzia de grileiros que acaba com a paz", afirma o delegado Aldo Brandão, um dos 15 da equipe que a PF mandou. "Parece que o governo federal acordou, e tomara que não durma tão cedo", diz o prefeito Tony Gonçalves, do PPS.

Sob a calma aparente que a overdose federal trouxe - nada de mais aconteceu depois que eles chegaram, dia 22 - a cidade cortada pela sempre esculhambada rodovia Cuiabá-Santarém, a BR- 163, vive, na verdade, três tensas expectativas.

Primeira: o que o governo fará com a crise aguda do setor madeireiro, esteio da economia local, que está fechando serrarias e demitindo em massa. Segunda: quem será preso, e quando, entre a "meia dúzia de grileiros" que a PF investiga. Terceira: quem afinal vai ser titulado nas terras, já que a União, dona da maior parte, tem, em vez do cadastro fundiário que deveria, o mais completo caos.

Os progressenses já mostraram estar sem paciência, no maior protesto que a BR-163 já viu. Por dez dias, entre janeiro e fevereiro, uma multidão, à frente fazendeiros e madeireiros irados, bloqueou a rodovia, cortou ponte, raptou um piloto de avião e incendiou um ônibus. Só pararam quando conseguiram a promessa de audiência pública. Ela ocorreu terça-feira da semana passada, com a presença do ouvidor agrário nacional, Gercino Filho, e do resto da overdose de governo.

A multidão de pelo menos 3 mil pessoas aplaudiu com entusiasmo os protestos veementes dos líderes locais contra a contumaz inadimplência do governo federal. Não houve vaias, como chegou a temer o ouvidor - a ponto de lá chegar com espalhafatoso aparato da PF e da Polícia Militar -, mas os aplausos para os inadimplentes, Incra e Ibama em primeiríssimo lugar, foram no máximo educados.

Gercino levou para Brasília 9 reivindicações, 3 com apelo de providência "imediata": expedição dos títulos de propriedade dos posseiros que já pagaram a terra para o Incra, retomada dos interrompidos processos de regularização fundiária até os 2.500 hectares permitidos por lei e aprovação dos projetos de manejo florestal sustentável em áreas que o Incra já reconheceu como posse pacífica.

O ouvidor ficou de voltar logo e dar respostas concretas. O governo sabe que há disposição de nova ocupação da rodovia, e quem sabe do aeroporto com pista de terra, se não houver soluções de curto prazo - é também por isso que Exército e PF não têm prazo para sair e 12 soldados estão desde dia 22 numa barraca de campanha do aeroporto. "É bom que eles estejam aqui, porque a tranqueira da grilagem se manda", diz o padre João Pedro Faoro.