Título: Reforma ministerial angustia Lula
Autor: Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/03/2005, Nacional, p. A8

Presidente sofre por ter de demitir companheiros e está aborrecido com as pressões dos aliados e dos próprios petistas

BRASÍLIA - Dias de angústia. É assim que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem vivido na solidão do poder. Às vésperas de fazer a tão aguardada reforma ministerial, Lula sofre por ter de demitir companheiros e revela contrariedade com as pressões dos aliados e até do próprio PT. Se pudesse, deixaria tudo, ou quase tudo, como está, mexendo no mínimo necessário. Mas a necessidade de recompor a base de sustentação do governo, estraçalhada depois de perder o comando da Câmara para Severino Cavalcanti (PP-PE), faz o presidente se debruçar sobre um quebra-cabeça. Desta vez, há um complicador maior: a partilha do poder com os partidos aliados deve ter no horizonte a montagem do palanque para o projeto de sua própria reeleição, em 2006. Na semana passada, em conversa com um amigo, Lula fez um desabafo. "Não dá para decidir assim!", reclamou ele. "Vou dizer que não tenho pressa para fazer essa reforma. Assim param de ficar me perguntando quando vai acontecer."

Na prática, a mudança no primeiro escalão deve mesmo ocorrer nos próximos dias, depois de quase meio ano em banho-maria. É bem provável a saída do ministro da Previdência Social, Amir Lando (PMDB-RO), e praticamente certa a entrada dos senadores Roseana Sarney (PFL-MA) e Romero Jucá (PMDB-RR) na equipe. Assessores de Jucá têm ligado para a Previdência, fazendo um trabalho de sondagem bem "discreto": querem saber quantos são os funcionários comissionados no ministério.

Roseana também já fez isso na pasta de Cidades, mas hoje está cotada para ocupar o Ministério das Comunicações. Ela já avisou ao presidente nacional do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC), que vai se desfiliar do partido assim que receber o convite formal. Não entrará na cota do PMDB, mas sim na de seu pai, José Sarney (PMDB-AP), considerado um fiel colaborador do governo.

O estilo Lula de trocar sua equipe também ignora solenemente a fritura política, comum em temporadas de reforma ministerial. O presidente ouve muito e pouco fala. Às vezes olha para o teto. "Ele está rouco de tanto ouvir", brinca o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP). Outro interlocutor é ainda mais direto: "Dependendo do palpite, ele não move um músculo da face, não dá nenhum sinal se gosta ou não da idéia".

RECADO

Foi assim sua reação quando um seleto grupo de companheiros pediu-lhe que trocasse o ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, que é do PC do B, por um petista. Lula gosta de Rebelo, por considerá-lo fiel, discreto e disciplinado. Mesmo assim, pode remanejá-lo para o Trabalho, hoje dirigido por Ricardo Berzoini. Está convencido de que é preciso encontrar uma nova equação para dar autonomia de vôo ao gabinete encarregado da articulação com o Legislativo, hoje em colisão com a Casa Civil.

IRRITAÇÃO

Na viagem que fez a Montevidéu, Lula ficou furioso com o secretário-geral do PT, Silvio Pereira, o segundo homem na burocracia do partido, amigo do ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, e do ex-presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP). Silvinho afirmou publicamente que a articulação política precisa ser mudada porque "está vazando água para tudo que é lado".

Lula enxergou ali mais uma pressão dE seu partido, que tem a maior bancada na Câmara - 91 deputados -, para pôr João Paulo no lugar de Rebelo. Mas também não gostou de Rebelo ter pedido satisfações ao presidente do PT, José Genoino, embora tenha telefonado para tranqüilizar o ministro, que se diz flechado como São Sebastião.

O presidente está irritado, ainda, com a disputa entre grupos no PT, principalmente na Câmara. É nesse contexto que se encaixa seu aborrecimento com João Paulo. De olho na cadeira do governador Geraldo Alckmin, o deputado não aceita acordo para abrir mão da disputa com Mercadante (PT-SP), até agora o candidato apoiado pelo Planalto.

Não se sabe o destino de João Paulo, mas o fato é que ele deu uma demonstração de força na semana passada: ajudou a eleger Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, à revelia do Planalto, que preferia na vaga o deputado Sigmaringa Seixas (PT-DF). O gesto foi entendido pelo governo como um recado de que, se João Paulo não for contemplado, muita coisa de errado pode acontecer.