Título: Governo mantém imprensa no cercadinho
Autor: Tânia Monteiro
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/03/2005, Nacional, p. A8

Jornalistas ficam isolados em cercadinhos durante cerimônias oficiais

BRASÍLIA - Os cercadinhos onde foram colocados os jornalistas que faziam cobertura da posse do novo presidente do Uruguai, Tabaré Vásquez, podem ter surpreendido os repórteres de outras partes do mundo, menos os brasileiros. Desde a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, essa prática vem sendo adotada para impedir que jornalistas se aproximem do presidente ou de outras autoridades nas cerimônias. Para fugir do cerceamento, os jornalistas têm um truque: escondem a credencial de imprensa e se misturam ao povo para poder chegar mais perto de Lula. Também levam vantagem repórteres que não fazem cobertura do dia-a-dia do Palácio do Planalto e são pouco conhecidos dos assessores presidenciais ou seguranças.

As relações entre o atual presidente e a imprensa são muito diferentes daquelas do tempo em que ele era candidato. Na oposição, Lula e demais petistas que ocupam hoje o primeiro escalão ou lugar de destaque na hierarquia do governo eram mais disponíveis para falar com imprensa.

Depois de mais de dois anos de governo, nenhuma entrevista coletiva nos moldes tradicionais, como ocorria em governos anteriores, seja de prestação de contas, de balanço, seja para avaliar situações pontuais. Somente no final do ano passado vieram as primeiras aproximações: a inauguração das novas instalações do comitê de imprensa, recém-reformado, e um café da manhã, no Planalto, quando o presidente conversou com os jornalistas, mas nada podia ser gravado por determinação do então secretário de imprensa, Fábio Kerche.

Nas viagens ao exterior, Lula normalmente só se dirige aos jornalistas nas conferências de imprensa preparadas pelo governo do país visitado. E poucas vezes o presidente responde ao ser provocado.

Uma das exceções ocorreu na viagem a Georgetown, na Guiana. Somente depois de pelo menos cinco investidas de jornalistas para obter uma palavra sobre a derrota do candidato do governo, deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), nas eleições para a presidência da Câmara, é que Lula aceitou justificar o ocorrido. Depois de 12 horas do resultado.

ACESSÍVEIS

No governo anterior, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso não perdia uma oportunidade para conversar com os jornalistas, tanto nas viagens nacionais quanto nas internacionais. No exterior, era comum sentar-se ao final do dia para conversar descontraidamente com os jornalistas. Em Brasília e pelo Brasil afora, concedia inúmeras entrevistas.

Seu antecessor, o ex-presidente Itamar Franco, foi o mais acessível. Não passava um dia sem conversar com jornalistas. Entrava e saía pela portaria privativa térrea do Planalto, mas nunca sem dirigir uma palavra que fosse a quem estivesse ali. Também convidava repórteres, com freqüência, a visitarem seu gabinete e chegou a mostrar a vários deles a sala de descanso que existe ao lado da sala de trabalho.

Nas viagens, Itamar costumava convidar os jornalistas para participarem de almoços ou jantares a seu lado e, várias vezes, os convidava a pegar carona no avião presidencial. Já no governo Lula, as caronas oferecidas são no avião reserva, nunca naquele em que o presidente está. Fernando Henrique deu várias caronas a jornalistas em viagens internacionais e, sempre que havia repórteres no vôo, trocava a ala vip pela econômica para conversar com convidados.

Foi no governo do ex-presidente Fernando Collor que a circulação nos andares do Palácio do Planalto foi fechada para a imprensa. O acesso está proibido até hoje. Até o governo do ex-presidente José Sarney, assim como no governo do general João Figueiredo, os jornalistas transitavam sem restrição pelo terceiro andar do Planalto (onde fica o gabinete presidencial). No tempo do ex-presidente Sarney, os repórteres entrevistavam autoridades assim que saíam do gabinete presidencial, no mezanino do terceiro andar, local de plantão da imprensa.

No tempo de Collor, muitos chamavam a cobertura de imprensa de olímpica, porque várias entrevistas eram concedidas ao final da prática de algum esporte, normalmente corridas. Uma coletiva realizada na sala de briefings do Planalto, no entanto, ficou famosa, quando uma jornalista perguntou a Collor se ele estava com aids, pois havia emagrecido e estava abatido. Collor, rindo, sem demonstrar irritação, disse que não.