Título: 'Eu nem li o projeto, é muita balela. Querem reformar o quê?¿
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Fonte: O Estado de São Paulo, 06/03/2005, Nacional, p. A10

Henrique Vitor, 45 anos presidente de sindicato em Jaú, não vê por que mudar À sombra do Estado Novo, Henrique Vitor pôs os pés no sindicato pela primeira vez em 1942. Agora, com 4 filhos, 8 netos e 85 anos de idade, exibe com satisfação sua carteira de filiação, número 11, e o recorde de quatro décadas e meia na presidência do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário de Jaú. "A turma não me deixa sair, não tem oposição", diz. Ninguém almeja seu posto, garante. "Ora, quando chega a época da eleição passo todos os informes, mando circular e tomo todas as providências regulamentares, mas ninguém quer saber. O trabalhador não se interessa tanto."

Chegou à presidência do sindicato em julho de 1960. Recorda-se com ponta de nostalgia dos tempos em que lotava o clube dançante dos operários da cidade. "Antigamente eu convocava uma assembléia e o salão ficava pequeno demais, o pessoal ia lá de montão. De uns tempos para cá, só sabem perguntar quando é que sai aumento. Telefonam só para isso."

Aposentado como juiz classista do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, função que assumiu por ato do regime militar e que lhe garante vencimentos de R$ 10 mil por mês, Vitor não dá atenção para a anunciada reforma sindical que o governo entregou ao Congresso. "Quer saber? Nem li o projeto, é muita balela. Não sei porque eles falam de reforma. Liberdade para quê? Para gastar o dinheiro das entidades? Essa turma é sonhadora. Querem reformar o quê?"

Getúlio Vargas é sua referência, lhe traz boas recordações. "O Getúlio foi o maior estadista do mundo, ele implantou as leis sociais no Brasil no tempo do coronelismo. Conseguimos o 13.º, descanso semanal remunerado, férias de 30 dias. O Getúlio teve os seus erros, mas seus méritos devem ser mantidos até hoje."

RECEITA

O sindicato de Henrique Vitor abrange 6 setores de produção, como construção civil, cerâmica e mobiliário, com cerca de 5,5 mil trabalhadores em Jaú e cinco municípios vizinhos - Bocaina, Bariri, Dois Córregos, Itapuí e Dourado - a 300 quilômetros de São Paulo. "Meu sindicato é pluralista, são 6 categorias, 6 convenções coletivas no ano."

A receita da agremiação vem da contribuição dos sindicalizados. "Tenho gabinete dentário próprio, barbeiro e um bom convênio médico com desconto especial para os associados, tudo isso eu ofereço a eles", conta.

O sindicato tem sede própria, no centro de Jaú, um sobrado com meia dúzia de salas no primeiro piso e salão em cima para as reuniões da diretoria. "Uma maravilha", anima-se o presidente. O imóvel vale R$ 300 mil.

Construiu, é claro, a colônia de férias na praia, em Mongaguá. Não é coisa de padrão elevado e requintes, mas ele se enche de brios quando fala da obra: "É para mais de 500 pessoas, uma colônia de respeito e, o que é melhor, fica de frente para o mar."

Preserva documentos que reputa importantes em sua trajetória, entre eles fotografia em preto e branco da qual fala com bastante carinho. Na foto, ele e o general Emílio Médici, então presidente do Brasil. Era um 7 de setembro, o de 70 ou de 71. "Não me lembro bem o ano. Virei juiz classista por ato do Médici, por isso fui cumprimenta-lo durante a solenidade. Eu disse a ele que tinha muito prazer em apertar sua mão e agradeci pela nomeação. Foi uma boa passagem."

PRESSÃO

Como magistrado classista, um dia conheceu Lula. "Ele foi no tribunal fazer pressão", conta. Era 1979, por aí. Na época, Lula presidia o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Vitor foi relator do dissídio coletivo da categoria. "Acolhi quase todas as reivindicações e o meu voto prevaleceu por unanimidade."

Rejeitou apenas 1 item da pauta, 100% na hora extra. "Eles não gostaram, mas indeferi porque aquilo ia tirar o lugar de muitos. A gente ia institucionalizar a escravidão, a necessidade de trabalhar mais de 8 horas por dia."

A infância foi apertada, recorda-se. Não passou do curso primário. Com 10 anos, saiu da escola para ajudar em casa. Foi para a rua vender bananas. Mais tarde, arrumou emprego na "Ao Jaú Progride", fábrica e loja de móveis de bom conceito na praça. Trabalhava na expedição.

Era o Brasil de Vargas, mas já naquele tempo Vitor ganhou interesse pelo sindicato. "Eu tinha minhas idéias, o trabalhador precisava ter alguma coisa, algum benefício. Só professores tinham férias. Eu achava que todo mundo tinha de receber esse direito."

Os pais o advertiam dos riscos da aventura sindical em tempos de tirania. "Fica quieto rapaz, você sonha acordado", diziam. A avó, espanhola de Sevilha, apartava e o defendia. "Deixa que o menino está certo."

REGISTRO

Filiou-se ao sindicato com 22 anos. Logo, tornou-se presença assídua nas assembléias. Virou oposição.

Em 1964, a Revolução. Ficou detido por umas horas. A intervenção não pegou seu sindicato, mas os militares o pegaram na fábrica e o levaram num jeep. "Eles queriam saber de tudo", relata Vitor, que foi apanhado quando distribuía o guia do imposto sindical para os companheiros.

Na carteira profissional, registro que o deixa orgulhoso - um único lançamento, da "Ao Jaú Progride". Foram 42 anos na mesma empresa, onde entrou em 1937 e seguiu até 1979. Um feito e tanto.

Fez greve na fábrica, na década de 40. A 2.ª Guerra ia solta. "A gente vai encurtar o braço", anunciou, então. Ainda não havia convenção coletiva. O chefe, um sujeito italiano, quis endurecer. "É proibido fazer greve branca", alertou. "Mas tem uma coisa", retrucou Vitor. "O senhor sabe que é proibido italiano mandar em brasileiro?"