Título: Surto de gêmeos burla a lei chinesa
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Fonte: O Estado de São Paulo, 06/03/2005, Internacional, p. A16

Quem pode, tem um meio para enganar a norma que permite um filho por família: importando medicamentos para fertilidade HONG KONG - Os médicos do sul da China vêm advertindo às mulheres para pararem de usar medicamentos de fertilização para burlar a brutalmente imposta política de permitir um só filho por casal depois que o número de nascimento de gêmeos dobrou no ano passado em muitos hospitais. Uma campanha de propaganda política na mídia estatal no decorrer das últimas semanas resultou na admissão por parte das autoridades que casais chineses mais prósperos estão aproveitando uma brecha na lei para produzir vários bebês ao mesmo tempo.

Isso aconteceu depois de crescente evidência, ressaltada no depoimento de uma alta autoridade do governo americano de George W. Bush perante o Congresso de que a política do filho único na China está ruindo.

Não há cláusulas prevendo sanções contra gravidez múltipla nos regulamentos originais impostos em 1979, quando pouquíssimos chineses tinham acesso a drogas para aumentar a fertilidade. Agora, aqueles que dispõem de recursos financeiros ludibriam o sistema - um exemplo de como a mudança econômica deixou para trás os regulamentos do Partido Comunista.

CÁPSULAS E POÇÕES

O comércio de drogas caras e importadas para aumentar a fertilidade e de preparados baseadas na medicina tradicional chinesa está vivendo um surto de crescimento nas províncias sulistas vizinhas a Hong Kong, onde a renda familiar vem subindo a um ritmo de 15% ao ano.

As cápsulas e poções, antes usadas somente para ajudar um pequeno número de mulheres que estava se submetendo à fertilização in vitro, agora estão sendo tomadas por mulheres saudáveis, capazes de ter uma gravidez normal, que simplesmente querem mais de um filho.

"Temos muitos clientes da marca local, mas também um grande número disposto a pagar 700 yuans (cerca US$ 88,00) pelo medicamento importado", disse um químico da cidade fronteiriça de Shenzhen. O custo de uma dose equivale ao salário mensal de um operário de fábrica.

Os resultados, segundo uma relatório do jornal Tempos de Informação, têm sido espantosos. Um obstetra do hospital para Mulheres e Crianças de Guangzou (Cantão), que se identificou apenas como dr. Han, disse que o número de gêmeos quase dobrou em relação há dois anos atrás. "Muitas mulheres têm me perguntado sobre medicamentos para aumentar a fertilidade, se eles funcionam ou não e se há algum efeito colateral", contou ele.

Em Changsha, capital da Província de Hunan, que é uma região relativamente pobre, nasceram mais de 50 pares de gêmeos ou trigêmeos só neste ano, no hospital da cidade, enquanto no ano inteiro de 2004 esse número foi de 25, segundo um outro jornal, o Fim de Semana Sulista.

E na província do norte de Heilongjiang, médicos registraram o nascimento de sete pares de gêmeos no último trimestre de 2004 num hospital da cidade. Anteriormente, a média era de sete pares de gêmeos por ano.

Registros semelhantes de hospitais em toda a China provocaram uma repreensão severa dos burocratas ao ministro da Saúde, que recentemente ordenou que os hospitais não prescrevessem as drogas para mulheres que não as requisitassem com a justificativa de infertilidade. E, imediatamente, uma enxurrada de histórias de horror surgiu na mídia estatal visando convencer os casais a não assumirem esse risco.

CAMPANHA DE TERROR

A agência de notícias Nova China advertiu seus leitores que "segundo algumas pesquisas", tomar medicamentos para fertilidade pode ser altamente perigoso.

O Notícias de Yangcheng informou os leitores que uma mulher em Guangzou que tomou pílulas para fertilidade e, em vez de engravidar, sofreu tontura e vômito. Seu médico lhe avisou que ela poderia ficar estéril como punição por ter tomado o remédio.

Poucos chineses, porém, parecem estar prestando atenção a isso, e as autoridades estão agora reconsiderando as normas e as punições relacionadas com a política do filho único.

Arthur Dewey, um enviado do governo Bush à China para verificar questões populacionais, disse ao Congresso dos EUA em 14 de dezembro que o sistema está desmoronando.

"Na minha opinião, o governo chinês talvez esteja começando a entender que seu regime de planejamento familiar coercitivo tem tido efeitos extremamente negativos nos aspectos social, econômico e de defesa dos direitos humanos", disse Dewey.

As autoridades americanas acreditam que o governo chinês está preocupado com as conseqüências que não foram levadas em consideração no decreto do filho único. O censo demográfico nacional de 2000 revelou que nascem vivos na China 117 meninos para cada 100 meninas - o resultado do aborto seletivo para atender a tradicional demanda por filhos do sexo masculino.

Não obstante, um lei introduzida em 2002 continua exigindo o controle da natalidade e impõe punições a casais que violam as normas.