Título: Quem cuida também precisa de cuidados
Autor: Simone Iwasso
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/03/2005, Vida, p. A22

Em décadas recentes, houve grandes avanços sociais, lentos progressos culturais e algumas alterações na legislação. A relação com o corpo mudou, o sexo não é mais tabu, o divórcio foi instituído e as mulheres ganharam o mercado. Mas ainda não chegaram lá. E, com o passar do tempo e a consolidação de direitos reivindicados no passado, novas questões relacionadas à vida delas começam a aparecer - e serem estudadas por seu impacto futuro. Uma dessas é a situação das idosas, que tiveram de sair do mercado de trabalho e não obtiveram acesso ao sistema previdenciário. "Existe um universo feminino que ficou perdido e esquecido no mundo da imagem da mulher moderna, que é o universo do cuidado. As mulheres são e sempre foram as grandes cuidadoras. Elas cuidam das crianças, dos filhos, dos maridos, dos doentes, dos idosos e dos deficientes. Saem do mercado para isso e não têm garantias previdenciárias e sociais para seu futuro, acabando abandonadas pelo Estado, depois de terem cuidado de toda a família", afirma a antropóloga Débora Diniz, professora da Universidade de Brasília e do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero.

De acordo com a antropóloga, esse universo de cuidado que permeia a vida das mulheres é marginalizado e esquecido, sendo remetido apenas a uma esfera doméstica. "Por exemplo, a mulher que tem um filho deficiente deixa o mercado para cuidar desse filho. Ele recebe uma ajuda financeira do governo. Quando ele morre, ela fica abandonada. É uma questão com a qual a sociedade precisará aprender a lidar. É preciso politizar esse cuidado, ainda mais com o número de mulheres idosas", diz.

EXEMPLO

É o caso da ex-comerciante Marilda da Silva, de 65 anos, que abandonou seu trabalho aos 40 anos para cuidar do pai, que estava doente, e se mudou para sua casa. Dedicou dez anos à função, sem ter condições de trabalhar. Na época, era o marido quem pagava as despesas. Poucos anos depois da morte do pai, foi o marido quem precisou de seus cuidados. "Fiz tudo o que pude. Dediquei a vida a cuidar do meu pai e do meu marido e, quando eles morreram, mal pude me sustentar", conta.

Hoje, três anos depois da morte do marido, Marilda só conseguiu retomar sua vida e ter condições de se sustentar após aderir a um grupo de mulheres que fazem trabalhos artesanais em São Paulo. Ela era, até então, uma das muitas que trabalham sem remuneração no Brasil - cerca de 10% da população ocupada, de acordo com a Síntese de Indicadores Sociais 2004 do IBGE, divulgada há quase duas semanas. Pelos dados, o número de homens na mesma situação é exatamente a metade.