Título: O que há de errado com as escolas de ensino médio?
Autor: Bill Gates*
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/03/2005, Vida, p. A24

OPINIÃO

Nossas escolas de ensino médio (a high school americana) estão obsoletas. Não quero dizer apenas que elas estão falidas, são defeituosas e ou têm recursos insuficientes - embora não discuta nenhuma dessas questões.

O que quero dizer é que elas foram projetadas há 50 anos para atender às necessidades de outra época. Hoje, mesmo quando funcionam exatamente como foram planejadas, essas escolas não conseguem ensinar nossas crianças o que elas precisam saber.

Enquanto não projetarmos escolas para atender às necessidades do século 21, continuaremos limitando - e até arruinando - a vida de milhões de americanos todos os anos. Temo pela nossa força de trabalho de amanhã.

A idéia que está por trás do velho sistema escolar era a de que se podia treinar uma força de trabalho adequada enviando apenas uma pequena fração de alunos para a faculdade. Os outros garotos ou não podiam freqüentar a faculdade ou não precisavam fazê-lo.

Como é de se esperar, somente um terço dos nossos alunos que concluem o ensino médio está pronto para a faculdade, o trabalho e a cidadania. Os outros, a maioria deles de baixa renda e de minorias sociais, são direcionados para cursos que não vão prepará-los para nenhuma dessas coisas -- não importa quanto os alunos aprendam nem quão duramente os professores trabalhem.

No país todo, os garotos brancos e ricos aprendem álgebra. Enquanto isso, os garotos de baixa renda aprendem a calcular o saldo de um talão de cheques.

Isto é um desastre econômico. Na concorrência internacional, os Estados Unidos estão ficando para trás. Temos um dos mais altos índices de abandono do ensino médio do mundo industrializado.

Em matemática e ciências, nossos alunos do 4.º ano do ensino fundamental estão entre os melhores do mundo. Mas nossos alunos do último ano do ensino médio estão lá embaixo.

Hoje, a maioria dos empregos que pagam um salário suficiente para sustentar uma família requer formação superior. Mesmo assim, apenas metade dos alunos que ingressam no ensino médio se inscreve numa instituição de ensino superior.

Aqueles que abandonam o ensino médio são o que ficam em pior situação. Apenas 40% deles têm emprego. Em relação aos amigos que seguem na escola, eles têm quatro vezes mais chances de serem presos. E morrem mais jovens, mais sujeitos à violência.

PROPOSTAS

A verdade é que podemos acabar com isso. Fomos nós que projetamos essas escolas de ensino médio e nós podemos redesenhá-las.

Temos de acabar com a idéia ultrapassada de que somente alguns alunos precisam estar preparados para a faculdade e que os outros podem desistir da educação de nível superior e ainda assim prosperar na nossa sociedade do século 21. Precisamos de um novo projeto que compreenda que todos os alunos devem ter uma chance.

Estão se acumulando evidências em favor dessa abordagem. Veja o caso das escolas públicas de Kansas City (Kansas), onde 79% dos alunos pertencem às minorias e 74% vivem abaixo da linha de pobreza. Durante anos, a cidade lutou contra os altos índices de abandono escolar e notas baixas. Em 1996, adotou um modelo de reforma escolar que, entre outras medidas, requer que todos os alunos façam um curso preparatório para a faculdade. Desde então, o índice de conclusão do curso subiu mais de 30%.

Kansas City não é um exemplo isolado. Está em andamento um trabalho empolgante para melhorar as escolas em cidades como Oakland, Chicago e Nova York.

Todas essas escolas estão organizadas em torno de três princípios poderosos: garantir que todos os alunos tenham um currículo escolar exigente - que os prepare para a faculdade ou para o trabalho; que seus cursos tenham uma relação clara com a vida e as metas deles e que os alunos sejam cercados por adultos que os empurrem para conquistas.

Este tipo de mudança nunca é fácil. Mas acredito que há três maneiras por meio das quais líderes políticos e empresariais podem ajudar a impulsionar uma mudança nas nossas escolas.

Primeiro, declarar que todos os alunos devem se formar no ensino médio prontos para a faculdade, o trabalho e a cidadania. Político e diretores-executivos de empresa no país devem se manifestar em favor da crença de que as crianças precisam fazer cursos que as preparem para a faculdade.

Segundo, publicar os dados que meçam nosso progresso na direção dessa meta. Já temos alguns dados que nos mostram a extensão do problema. Mas precisamos saber mais: qual o porcentual de alunos que estão abandonando a escola? E se essas dados podem ser separados por raça e renda.

Por último, todos os Estados devem se comprometer em reformular as escolas fracassadas e em abrir outras escolas. Quando os alunos não aprendem, é a escola que deve mudar. Todos os Estados precisam de uma estratégia forte de intervenção para melhorar as escolas em dificuldades.

Se mantivermos o velho sistema, milhões de crianças nunca terão a chance de realizar seu potencial por causa do seu CEP, da cor de sua pele ou dos rendimentos de seus pais. Isso não é digno de nossos valores.

Todo adolescente pode concluir o ensino médio preparado para a faculdade. Todo adolescente deve ter esta chance. Vamos reprojetar nossas escolas para fazer com que isso aconteça.