Título: É preciso domar células de embrião
Autor: Clarissa Thomé
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/03/2005, Vida, p. A25

Controlar o caminho que elas fazem no organismo e o tipo de tecido em que se transformam é desafio para médicos e cientistas

RIO - Médicos e cientistas terão de domar as células-tronco embrionárias antes de iniciar os testes nos pacientes. A maior dificuldade dos pesquisadores é controlar o caminho que esse tipo de célula faz no organismo e o tipo de tecido em que elas se transformam. A expectativa mais otimista é de que as pesquisas iniciais durem cinco anos. "Muita coisa precisa ser feita. Ainda vamos ter de testar em animais, voltar para a bancada do laboratório e novamente experimentar em cobaias. Não é imediato", diz o cardiologista Hans Fernando Dohmann, que estuda terapias com células-tronco adultas há cinco anos. Dohmann diz que os pesquisadores terão de aprender a "dominar" as células embrionárias. "Nas pesquisas internacionais há uma porcentagem significante de células embrionárias que se transformam em tecidos diferentes do que se quer", afirma.

O médico coordena três linhas de pesquisa com células-tronco adultas, numa parceria do hospital Pró-Cardíaco, onde trabalha, e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O primeiro trabalho, com 26 pacientes que sofriam de cardiopatia crônica, mostrou que 19 se recuperaram, 3 morreram e 2 não tiveram mudança do quadro clínico. "É um número excepcional. O coração não se recupera por medicina convencional", avalia.

O representante comercial Nelson Águia, de 71 anos, foi o primeiro paciente dessa pesquisa. Ele tinha 70% do coração necrosado, após sofrer dois enfartes e colocar cinco pontes de safena e duas mamárias. Hoje, seu coração está recuperado. Ele voltou a trabalhar e a praticar exercícios.

O Pró-Cardíaco e a UFRJ pesquisam ainda a recuperação de pacientes que sofreram enfarte agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral, mas os estudos são recentes. A equipe do cardiologista tem outras seis pesquisas com células adultas que ainda estão na fase de testes de laboratório.

Chefe do Departamento de Ensino e Pesquisa do Instituto Nacional de Cardiologia de Laranjeiras (INCL), Antônio Carlos Campos Carvalho também ressalta que a aprovação da Lei de Biossegurança não representa mudança imediata nem afeta as pesquisas com células adultas em andamento.

"Não temos condições de usar as células embrionárias no tratamento de pacientes porque, justamente por serem tão versáteis e se transformarem em todos os tecidos do organismo, há uma enorme dificuldade para controlá-las. Seria uma temeridade implantar células embrionárias hoje porque elas poderiam até gerar tumores", afirmou Carvalho, que coordena pesquisa com 1.200 pacientes para investigar a atuação das células-tronco adultas em quatro tipos de doenças cardíacas.

O INCL já tem projeto de pesquisa para as células embrionárias. "Temos interesse em utilizar as células embrionárias para gerar o músculo cardíaco in vitro e começar a entender os mecanismos e fatores que possam induzir maior diferenciação das células-tronco em músculo cardíaco. Seria mais seguro injetar no coração uma célula pré-diferenciada em músculo cardíaco do que a célula embrionária."

ESTUDO NACIONAL

O coordenador da Unidade de Transplante de Medula Óssea do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, Júlio Voltarelli, vem testando, com sucesso, o uso de células-tronco para combater a esclerose lateral amiotrófica e a diabete do tipo 1, que atinge crianças, jovens e adultos até os 35 anos.

Sobre o uso futuro de células embrionárias, ele diz que ainda é cedo para falar nisso. "Da noite para o dia não é possível fazer pesquisa no laboratório e já partir para a clínica e tratar o paciente; são várias etapas a serem cumpridas", afirma. Mas ressalta a importância da pesquisa: "Pela primeira vez, os cientistas brasileiros vão poder trabalhar nos laboratórios e nas clínicas com tranqüilidade."

Na Bahia, os médicos estão usando células-tronco para o tratamento de pacientes com mal de Chagas. Os resultados da pesquisa baiana incentivaram o Ministério da Saúde a patrocinar um estudo nacional com 1.200 portadores de quatro enfermidades: enfarte do miocárdio, doença isquêmica crônica do coração, cardiomiopatia dilatada e cardiopatia chagásica.

Batizado de Estudo Multicêntrico Randomizado de Terapia Celular em Cardiopatias, a pesquisa nacional, prevista para começar no fim de abril, será coordenada pelos núcleos da Fiocruz do Rio e de Salvador. A verba para o estudo é de R$ 13 milhões, já incluída no orçamento do ministério.

Segundo o médico Joel Pinho, da equipe do projeto, a aprovação da pesquisa das células-tronco embrionárias pelo Congresso foi muito importante para a comunidade cientifica pelas possibilidades da abertura de "muitas portas".

Pinho explicou que o Estudo Multicêntrico representará um avanço no tratamento de doenças cardíacas com células-tronco. "Vamos acompanhar dois grupos distintos de pacientes: um que vai se submeter ao tratamento convencional e outro com o transplante de células-tronco e isso vai nos permitir ter um quadro mais completo sobre essa nova técnica", explica.