Título: A sinfonia botânica de Burle Marx
Autor: Daniel Piza
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/03/2005, Vida, p. A28

Sítio do paisagista no Rio, aberto à visitação, reúne espécies de diversas regiões e matas do mundo num arranjo surpreendente RIO - Logo na entrada do sítio, à direita, depois de passar pela guarita da segurança, vê-se um pequeno lago com ninféias floridas. Não há como não pensar: poderia ser o equivalente brasileiro de Giverny, o jardim-museu de Monet no interior da França, famoso por seus espelhos d'água, flores e folhas. Mas o Sítio Burle Marx, no distrito de Barra de Guaratiba, zona sul do Rio (a cerca de uma hora do centro, no caminho para Angra dos Reis), doado há 20 anos pelo paisagista para o governo federal, só tem em comum com Giverny a beleza. Não se compara com ele em termos de visitação e reputação. Os atrativos são muitos. O sítio, que tem uma área de 365 mil metros quadrados, foi comprado em 1949 por Burle Marx (1909-1994), em parceria com seu irmão Guilherme Siegfried Marx, para abrigar sua coleção de plantas. Nascido em São Paulo em 1909 e criado no Rio a partir dos 4 anos, Burle Marx desde cedo foi apaixonado por botânica, mas foi aos 18, no Jardim Botânico de Berlim, Alemanha, que ironicamente descobriu a riqueza da flora tropical. Perplexo, ainda, com a pintura de Van Gogh, decidiu também ser pintor. Quando comprou o sítio, já era o maior paisagista do Brasil.

"Fiz jardins para tantos, mas não para mim", declarou, antes de comprar a propriedade e restaurar sua capela de 1681 e sua casa da fazenda em estilo colonial. O local passou a ser o depositário das espécies que Burle Marx coletava em excursões pelo Brasil e pelo mundo, em sua incansável pesquisa de novas espécies e combinações. Pouco a pouco foi organizando os jardins, que hoje ocupam 160 mil metros quadrados do total. E é um de seus melhores paisagismos.

Em 1973, ele se mudou para o sítio, onde moraria até morrer, poucos dias depois de ver pronto o ateliê onde estão algumas de suas telas, biblioteca, piano e mobília.

O sítio, que foi tombado como patrimônio nacional em agosto de 2000, só pode ser visitado por 30 a 40 pessoas por vez, com horário agendado. Estrangeiros, brasileiros de outras regiões e estudantes da rede pública estão entre os visitantes. Mas falta estrutura para ampliar esse alcance: o sítio tem apenas 38 funcionários, sendo 16 jardineiros (cada um, portanto, com 10 mil m2 para cuidar) e apenas duas guias. "Temos um projeto de expansão do sítio", diz o diretor dele há nove anos, o paisagista Robério Dias, que trabalhou com Burle Marx (leia mais nesta página). "Mas precisamos de investimento."

MISTURAS

Ana Paula Peixoto Costa é uma das guias que acompanham as visitas, que duram cerca de duas horas. Da sede administrativa, o percurso sobe por um caminho de pedras rodeado de exemplos da arte paisagística de Burle Marx. O sombral de Margaret Mee, com plantas que só sobrevivem na sombra, está logo a seguir; Margaret foi uma desenhista e botânica que registrou muitos dos achados de Burle Marx, cujo nome batizou nada menos que 25 espécies. À frente, uma figueira centenária, cujas raízes formam um traçado escultural. Mais acima, a capela, com azulejos pintados por Burle Marx e, ao lado, a casa da fazenda, cuja varanda dá para um jardim retangular pontuado por folhagens e um lago diante de paredão ao estilo mexicano, como o paisagista gostava de fazer.

A guia conta que o sítio tem 51% de espécies nativas e 49% de exóticas, pois Burle Marx não tinha preconceito quanto à origem das plantas. Mas dava prioridade para a flora da latitude tropical. A visita segue passando por várias espécies de sua preferência como a flor de jade, a agávea azul, aráceas, bromélias, cuités (que dão as cabaças de berimbau), palmeiras, cicas, etc. - num jogo de cores distribuídas em massas, combinando o geométrico e o orgânico como numa pintura de Burle Marx (veja quadro nesta página).

"Essa experiência como artista plástico era o que o diferenciava dos outros paisagistas", diz Ana Paula. "Um jardim dele não precisa das flores para estar bonito o ano inteiro." O sítio tem ainda um orquidário, impróprio para visita, e um depósito onde restam algumas dezenas de espécies para catalogar.

No trajeto, sagüis aparecem, além de borboletas, lagartixas e passarinhos. O pau-d'alho chama a atenção pelo cheiro. As helicônias, que dão o símbolo do sítio, atraem pela cor. Ao lado do ateliê, um grupo de plantas rupestres e grandes pedras recria o microclima do semi-árido. Há também espécies de Madagáscar, da Malásia, da Venezuela. "Não é só misturar, é saber misturar", resume Ana Paula.

De fato, o conjunto faz uma espécie de sinfonia, em que temas de diversas regiões e matas - amazônica, atlântica, cerrado - dialogam entre si, com modulações surpreendentes, e o olhar do visitante vai parando para registrar detalhes e abrir perspectivas. Monet aplaudiria.