Título: Abalo sísmico ou culpa dos poços artesianos?
Autor: Evanildo da Silveira
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/03/2005, Vida, p. A29

Tremores tiram sossego de área rural de Bebedouro e técnicos instalam aparelhos para descobrir a origem do problema BEBEDOURO - Dezenas de moradores da zona rural do povoado de Andes (que tem 159 pessoas no total), em Bebedouro, na região de Ribeirão Preto, a 310 quilômetros de São Paulo, estão apavoradas: a terra está tremendo. Num raio de 8 quilômetros, as casas se mexem e o barulho em janelas, portas e madeiramentos preocupa. Cães, cavalos e bovinos ficam inquietos. O que é isso? Abalo sísmico ou fenômeno causado por poços artesianos abertos para irrigar o pomar de laranja de uma fazenda vizinha? São respostas a essas perguntas que dois técnicos do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo (USP) buscam desde quinta, quando começaram a instalar sismógrafos na região. Mais dois equipamentos digitais serão colocados e outros chegarão nos próximos dias.

O primeiro aparelho, analógico, foi instalado no Sítio Santo Antônio, de José Selis Cagnin, de 61 anos, marido de Didier, de 59, a pessoa que mais reclamou dos abalos desde janeiro de 2004. Ela insistiu tanto numa emissora de rádio local que Suhail Ismael, diretor do Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Bebedouro (Saaeb), procurou o IAG.

"Os pequenos proprietários acham que pode ser algo ligado aos poços artesianos e acionaram o Saaeb. Todos estão apavorados", diz Ismael. Didier até anotou os últimos tremores ocorridos entre os dias 25 e 28, de madrugada, manhã, tarde ou noite.

"A gente sente o estrondo pelo chão, nas janelas e nas madeiras. Não tem horário para ocorrer", conta Cagnin. "Parece um trovão, mas vem do solo", diz Didier. "Não tenho medo de temporal nem de chuva, mas de que a terra se abra. Até tomando banho tenho medo."

"Com o barulho, minha filha Gabrielle, de 5 anos, acordou chorando uma vez, assustada", conta Antônio Carlos Lombardo, de 37 anos, que mora com a mulher e dois filhos, num sítio vizinho. "A parede da sala rachou, o piso da varanda também e a porta da sala só abre parcialmente", descreve Maria Rosa Vitório, de 54 anos, casada com Dalvo, de 54, funcionário do Sítio Estância Eldorado.

Todos acreditam que os tremores foram causados por poços artesianos abertos recentemente numa fazenda com grande plantio de laranja. "Tenho certeza de que tem algo relacionado", diz Cagnin. Por enquanto, apenas uma hipótese. Para desvendar isso, o engenheiro eletrônico Luís Galhardo e a sismóloga Célia Fernandes, do IAG, estão entrevistando moradores e instalando sismógrafos na zona rural, para determinar o epicentro dos tremores e sua magnitude.

No primeiro dia, nada foi registrado. Se em alguns dias nada for constatado, uma estação poderá ser deixada num local estratégico, para registrar possíveis tremores futuros. "Se tiver atividade (tremor), teremos mais dados para análise", diz Galhardo. Nem ele nem Célia arriscam uma resposta antes da comprovação científica.

Ambos só sentiram um tremor de terra, entre as décadas de 1970 e 1980, em Nuporanga, também na região de Ribeirão Preto. Após anos de estudo, a constatação: o tremor e o barulho estavam relacionados aos poços profundos abertos na cidade. Quando os motores eram desligados, a água entrava nos espaços vazios e criava pequenos abalos sísmicos, que atingiam 3,2 pontos na escala Richter, segundo o professor Jesus Berrocal, do IAG.

Em 19 de fevereiro, Itirapina também teve um tremor de terra, de 1,5 grau, registrado pela Estação Sismográfica da Unesp de Rio Claro. "Isso não causa estrago, mas tensão. Os brasileiros não estão acostumados", diz José Roberto Barbosa, do IAG.