Título: Brasil, terra de terremotos também
Autor: Evanildo da Silveira
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/03/2005, Vida, p. A29

Muita gente acredita que eles não ocorrem aqui, mas todo ano são registrados cerca de 90; pesquisa da USP explica o porquê O terremoto do dia 8 de fevereiro na região central do Estado do Amazonas é apenas o mais recente registrado no Brasil. Embora muita gente acredite que não ocorram no País, todos os anos são registrados cerca de 90. Até há pouco, a explicação para eles eram rachaduras na placa tectônica na qual o Brasil está assentado. Agora, no entanto, uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) foi um pouco mais fundo na explicação. Os sismos estariam relacionados à espessura da litosfera, a camada de rochas rígida mais externa da Terra. Para entender a ocorrência de terremotos é preciso ter em mente que o planeta não é uma bola de rocha compacta. Na verdade, é composto de três camadas principais, como uma cebola. A mais externa é a crosta, que tem em média 35 quilômetros de espessura. Abaixo dela vem o manto, que representa 80% do volume da Terra, é formado por rochas maleáveis, parcialmente fundidas, e vai até 2.900 quilômetros de profundidade. Por fim, encontra-se o núcleo, que tem um terço da massa do planeta e compõe-se basicamente de ferro e níquel líquido, com um caroço sólido.

A crosta e a parte superior e rígida do manto formam a litosfera, camada que suporta os continentes e oceanos. Ela não é inteiriça, no entanto. Forma-se por um mosaico de enormes placas, chamadas tectônicas, que se encaixam como em um quebra-cabeças. Elas não são fixas e flutuam, por assim dizer, no manto semifundido, levando os continentes. Nesse flutuar, uma roça ou penetra por baixo ou se acavala em outra. Esse choques deformam suas bordas e liberam enormes quantidades de energia, que chegam à superfície em forma de terremotos. Por isso, eles são mais comuns nas regiões onde as placas se ligam.

Os tremores também ocorrem, entretanto, no interior das placas, só que com menos freqüência e menor intensidade. É o que acontece no Brasil. O País está assentado na parte continental da placa sul-americana, que sustenta toda a América do Sul e parte do Oceano Atlântico. Essa placa sofre pressões da de Nazca, a oeste, que suporta o fundo do Oceano Pacífico e gera os sismos comuns nos Andes, da placa do Caribe ao norte e da cadeia de montanhas submarina meso-atlântica, a leste, em contínua expansão.

TOMOGRAFIA

Essas pressões geram tensões, que se acumulam e de tempos em tempos acabam liberadas em forma de terremoto. O que o geofísico Marcelo Assumpção, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, descobriu, depois de 12 anos de pesquisas, é por que os sismos são mais comuns em algumas regiões do Brasil.

Para isso, ele realizou uma tomografia de uma área de 2 milhões de quilômetros quadrados - um grande retângulo abrangendo partes das Regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste, que revelou a constituição das rochas até uma profundidade de cerca de mil quilômetros. "Realizamos a tomografia analisando as ondas sísmicas geradas por cerca de mil terremotos, ocorridos em todo o mundo, durante os últimos dez anos, e captadas por sismógrafos instalados em 59 localidades da área estudada", comenta Assumpção.

Isso foi possível porque as ondas sísmicas atravessam o planeta em velocidades variadas, dependendo da temperatura e da constituição das rochas. "Sabe-se que a velocidade das ondas é menor em rochas quentes e maior nas frias", explica o geofísico da USP. Assim, analisando as ondas de um mesmo terremoto captadas por mais de um sismógrafo, distantes um dos outros, e verificando a diferença de tempo de chegada, pode-se determinar sua velocidade. O que, por sua vez, torna possível estabelecer o tipo e a temperatura das rochas pelas quais as ondas atravessaram.

Com isso, foi possível a Assumpção determinar que a espessura da litosfera da grande região retangular que ele pesquisou pode variar de 100 a 300 quilômetros. De posse desses dados, comparou-os com os registros históricos dos terremotos. Sua suspeita se confirmou. "Nos locais em que a litosfera é mais quente e fina e, portanto, mais fraca, a ocorrência de terremotos é muito maior do que naquelas em que ela é mais fria, espessa e rígida."

Segundo ele, na região que estudou ocorrem cerca de dez terremotos por ano, de magnitude superior a 3 na escala Richter. A maioria é registrada em duas regiões distintas, uma que abrange o oeste de Goiás e leste do Pantanal, e outra o Triângulo Mineiro e nordeste de São Paulo. "O ponto em que a litosfera é mais fina é no município de Iporá, em Goiás, onde é de cerca de 100 quilômetros", diz Assumpção. "Ali ocorrem, em média, dois terremotos por ano, de magnitude igual ou maior que 3."