Título: A faixa presidencial e o nó nas utopias
Autor: Laura Greenhalgh
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/03/2005, Aliás, p. J4

Para historiador, a retórica de Lula, Kirchner e Chávez é calorosa o suficiente para embalar promessas de cooperação e confusa demais para fortalecer o jogo democrático ENTREVISTA: LUIZ FELIPE DE ALENCASTRO - Titular da cátedra de História do Brasil na Sorbonne (Universidade Paris IV) e escritor

A cátedra de História do Brasil na Sorbonne (Universidade Paris IV), criada em 1988, é única na França e uma das raras no mundo. Guarda uma peculiaridade: em seus cursos, procura-se combinar passado e presente, o que reforça a noção do tempo como uma esteira em movimento por onde passam descobertas, acordos, crises, conflitos, vidas. Desde 2000, o titular da cátedra é Luiz Felipe de Alencastro, 58 anos, conceituado historiador brasileiro, autor, entre outros trabalhos, de O Trato dos Viventes: a Formação do Brasil no Atlântico Sul e Rio de Janeiro, Cidade Mestiça (ambos da Companhia das Letras).

Fiel à receita de ensino de seu departamento, Alencastro interrompeu sua rotina acadêmica em Paris na última quinta-feira para subir na esteira da História e analisar acontecimentos que marcam a cena latino-americana. Nessa entrevista para o Aliás, o professor se detém em eventos de alto teor político, como a posse de mais um presidente socialista na América do Sul - o uruguaio Tabaré Vázquez -, a renegociação da dívida argentina celebrada por Kirchner, o inesperado encontro de Condoleezza Rice, chefe do Departamento de Estado dos Estados Unidos, com o ministro José Dirceu, o pedido formal de Cuba para ingressar no Mercosul e ainda a coreografia de Lula em tantos rodopios oficiais. Foi uma semana intensa, capaz de estafar o mais entediado diplomata.

De seu observatório parisiense, Alencastro pondera: a centro-esquerda está dando as cartas na América do Sul, e isso muda o eixo político do continente. Socialista no poder é bom ou ruim? "Depende", avalia o ex-pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), antigo ninho de intelectuais como Fernando Henrique, José Arthur Gianotti e Francisco de Oliveira. "Se os socialistas reforçarem as estruturas da democracia, ótimo. Se passarem por cima delas, será um retrocesso."

Por estruturas da democracia, compreende autonomia dos poderes de Estado, liberdade de imprensa, defesa incondicional dos direitos humanos, respeito ao consumidor, preservação do meio ambiente, bandeiras que não devem ser desprezadas por homens que hoje vestem faixas presidenciais, mas no passado enfrentaram barricadas. Se pudesse contar com os ministros de Lula em sua sala de aula, Alencastro não hesitaria em lhes passar um dever de casa: olhar mais atentamente o processo de unificação da Europa, uma experiência inédita que poderá resultar num salto civilizatório.

A posse do presidente Tabaré Vázquez, do Uruguai, é motivo de festa na centro-esquerda latino-americana?

É motivo, sim. O processo uruguaio é interessante porque não se trata apenas de mais um socialista chegando ao poder, mas de todo um conjunto de pessoas, a linha de frente do combate à ditadura. O parlamentar que presidiu a posse de Vázquez, senador José Mujica, foi um líder tupamaro preso e torturado anos atrás. É essa gente que está fazendo a transição política no país. Entre parênteses, ter sido preso e torturado são condições que nem sempre rendem autoridade moral ao indivíduo. Menem foi preso com outros peronistas e deu no que deu. Quero chamar a atenção para outro aspecto: o Uruguai pode ter um papel relevante na manutenção do entrosamento entre Brasil e Argentina, atuando como um ator político de mediação entre os dois países.

Lula, Kirchner, Lagos: o senhor acha que o relacionamento desses chefes de Estado pode levar à formação de um bloco geopolítico?

É possível. Devemos considerar que na mesma festa está também o coronel Hugo Chávez, cuja biografia é bem diferente. Evidente que os quatro presidentes fazem a região pender para a esquerda, porém vamos ver o que essa inclinação traz no seu bojo. Traz uma maior independência em relação aos Estados Unidos? Isso é possível e até legítimo. Mas que também se providencie o fortalecimento da democracia, da liberdade de imprensa, da autonomia do Legislativo, dos direitos humanos, dos direitos do consumidor, da preservação ambiental...

Isso pode estar sendo deixado de lado?

Em alguns momentos, é o que transparece. Dou um exemplo: houve o rompimento de relações entre Uruguai e Cuba em 2002 porque o presidente Jorge Batler, antecessor de Vázquez, havia dito que era preciso ter observadores das Nações Unidas monitorando a situação dos direitos humanos na ilha. Cuba achou tudo isso insultuoso, e as relações foram rompidas. Nesta semana, o primeiro ato do recém-empossado presidente uruguaio foi justamente reatar relações, só que a situação na ilha não melhorou, e isso é fato. O presidente Lula, logo no início de seu governo, teria tido uma conversa em particular com Fidel, tratando da questão. Nesse último verão, seus ministros foram descansar em Cuba. O posicionamento do governo brasileiro, no que diz respeito à liberdade de expressão e aos direitos humanos, deveria ser claro, principalmente agora que Cuba pleiteia sua entrada no Mercosul.

Com isso, o senhor está dizendo que os presidentes de centro-esquerda da América do Sul podem estar se esquecendo das bandeiras que ergueram no passado?

É a ressalva que faço. Tudo leva a crer que Fidel Castro deixará o comando só quando morrer. Isso é uma tragédia para o povo cubano, que mereceria uma transição política com Fidel vivo, visando a um futuro mais seguro e menos obscuro. Essa é uma questão crucial da democracia no continente. A centro-esquerda latino-americana deveria ter em mente que o povo cubano está cada vez mais vulnerável à revanche dos americanos, dos exilados, dos grupos anticastristas, numa situação muito difícil. A transição não deveria depender do tempo de vida que resta a Fidel.

Ainda em Montevidéu, Lula, Chávez e Kirchner anunciaram uma "aliança estratégica tripartite", com extensa colaboração na área econômica. Chávez vem falando de juntar as operações de petróleo do Brasil e da Venezuela, formando a maior empresa do setor no mundo. Como é que o senhor vê esses anúncios?

Uma hora esses presidentes terão de parar com o falatório, rever propostas e remover obstáculos do caminho. Outra aliança anunciada é com a China, a Índia e a África do Sul. Tantas iniciativas ao mesmo tempo tornam o cenário confuso. Veja, por exemplo, a candidatura brasileira à secretaria-geral da Organização Mundial de Comércio (OMC). Está todo mundo em campanha. Pascal Lamy (ex-comissário de Comércio da União Européia) é candidatíssimo, há uma indicação da Ásia e outra do Uruguai criando problemas à candidatura brasileira, de Luiz Felipe Seixas Correia. Mas o que dá algum peso à candidatura de Seixas Correia é o fato de o Brasil dirigir o g-20, no qual estão China e Índia. Só que o candidato uruguaio conta com a simpatia de países da América Latina, inclusive da vizinha Argentina. Não há o menor cabimento dois sul-americanos disputarem o posto.

Kirchner celebrou renegociação da dívida argentina com um índice de adesão de 76%. Isso pode alterar a visão ética que se tem da moratória em nosso continente?

Não, porque o remédio é amargo demais. A celebração de Kirchner foi até moderada, pois ele sabe que os efeitos do calote ainda serão percebidos por longuíssimo tempo. A moratória argentina nada tem de ética. Ela não atingiu os banqueiros, mas ferrou com a vida de 450 mil aposentados italianos que tinham posto seu dinheirinho em títulos da dívida argentina. Esse drama não desaparece assim, da noite para o dia - daí Kirchner dizer que "a moratória acabou, mas o inferno, não". O Brasil paga juros altos até hoje em função da moratória de 1987 e por causa do confisco do Collor. Dar calote também significa submeter-se a chantagens duradouras.

Como é que o senhor vê o encontro do ministro José Dirceu com Condoleezza Rice, ocorrido em Washington, nesta semana?

É importante frisar que a iniciativa partiu dela. Esse foi o primeiro encontro da chefe do Departamento de Estado com uma autoridade latino-americana. Certamente teve a intermediação de Robert Zoellick, segundo homem na hierarquia do Departamento, ex-representante comercial dos EUA na América Latina, com quem o chanceler Celso Amorim já esteve em negociações importantes. Não por acaso essa conversa acontece após a veiculação de notícias, tanto na imprensa americana quanto na inglesa, sobre a penetração da China na América Latina.

E qual o impacto disso?

É imenso. Novos acordos de exportação de petróleo assinados recentemente pela Venezuela desativam remessas tradicionais para os EUA, redirecionando-as para a China. Chávez está dizendo isso com todas as letras. Essa é uma novidade terrível para os americanos, pois, desde os anos 20 do século passado, eles mantinham a estratégia de se servir das reservas de óleo da América Central e do Caribe, até para economizar as deles, no Texas. Se a China agora entra no circuito, com sede insaciável não só do petróleo da Venezuela, como do cobre do Chile e da soja do Brasil, isso cria uma situação nova. Não é de estranhar que a secretária Condoleezza queira falar sobre América do Sul com o ministro Dirceu. A entrada da China no circuito sul-americano de trocas comerciais é um dado histórico do mais alto significado.

O dragão chinês está metendo medo?

A China é uma potência que joga sozinha. Ao contrário dos EUA, que construíram sua hegemonia ao longo do século 20, com alianças forjadas em duas guerras e um sistema de cooperação que passou pela criação da ONU, do Banco Mundial, do FMI. A China é diferente. Última grande ditadura capitalista do planeta, ela até poderá se beneficiar do eventual desmantelamento desse sistema de organizações. Dou um exemplo: a China jamais jogará a favor do Brasil na questão do Conselho de Segurança da ONU numa composição de novos membros que também inclua Japão, Alemanha e Índia. Porque ela não apóia a entrada do Japão e ponto final. Portanto, a China vem para a América do Sul com a agenda dela, sem levar muito em conta o Mercosul, sem sedimentar alianças.

Se compararmos os governos Lula, Lagos, Kirchner e as promessas de Vázquez, todos praticam a ortodoxia econômica, buscam a austeridade fiscal e tentam saídas para resolver os desequilíbrios sociais. Nasce uma receita latino-americana de governo?

É bom mesmo não incluir o Chávez nesse grupo... Com o petróleo no preço em que está, ele conta com rendas extras, o que lhe permite jogar em faixa própria. Hoje a Venezuela é um país rendeiro. Quanto ao Brasil, ao Chile e à Argentina, não creio que haja uma receita comum, mas um momento histórico que interliga experiências. Embora se notem semelhanças nos programas desses governo, as resultantes são muito diferentes. Os chilenos poderiam estar mais felizes do que demonstram, pois vivem a estabilidade econômica associada a um nível de bem-estar social elevado para o continente. No entanto, reclamam do governo do socialista Ricardo Lagos. Já a Argentina sofreu um processo peculiar e radical, que é o do empobrecimento sem guerra. Tal processo mudou o status que o país tinha cem anos atrás! A renegociação da dívida, ou do calote argentino, foi bem-sucedida, mas não apagará tão cedo as cicatrizes do povo. É muito mais difícil lidar com gente de classe média que empobreceu do que com gente pobre que quer melhorar o nível de vida. A regressão social supera em muito a complexidade da ascensão social estagnada. Regressão social deu em nazismo, em fascismo, em coisas muito complicadas.

E como está a relação dos países sul-americanos com os EUA?

A partir do 11 de setembro de 2001, os EUA deixaram de olhar tanto para a América do Sul porque outras prioridades se impuseram. Isso deu espaço para uma reordenação interna latino-americana. Não dá para reescrever a História, mas, se não houvesse a guerra antiterror, certamente teriam sido maiores as pressões americanas em cima de Cuba, Venezuela, Colômbia. Por outro lado, também houve uma mudança interna importante nos EUA. O eleitorado hispânico, que se identificava com os democratas, hoje dá sustentação aos republicanos.

Dias atrás, o ex-presidente Fernando Henrique disse, em reunião do Interamerican Dialogue, que os EUA deveriam voltar os olhos para a América do Sul. Como é que o senhor entende essa afirmação?

Ele está pedindo diálogo com base em respeito mútuo, não em intervencionismo. Eu não faria essa calúnia contra ele. Houve, sim, nos EUA, um abandono da análise das questões sul-americanas. Lembre-se de que, no primeiro debate entre Bush e Kerry, a América Latina nem sequer chegou a ser mencionada. Excetuando o New York Times, grandes jornais americanos reservam pouco espaço para os temas da região. Estão mais interessados pelo México e por alguns países da América Central. Também o debate acadêmico ficou limitado, e Fernando Henrique sabe disso. Essa situação tende a mudar com Condoleezza Rice, sucessora de Colin Powell.

Por quê?

Condoleezza é uma intelectual, uma professora universitária com experiência administrativa, uma estudiosa com visão abrangente do mundo, ainda que sua especialidade seja a Rússia. Powell é, acima de tudo, um militar. Um fato pode exemplificar o que estou dizendo: foi Condoleezza quem levou Sérgio Vieira de Mello para ter um encontro discreto com Bush, antes de ele ser apontado administrador da ONU no Iraque. Ela fez as apresentações, o que denota a existência de uma rede própria de contatos. Zoellick, como já disse, entende de América Latina. O recente anúncio da venda de aviões militares do Brasil para a Venezuela já foi comentado no Comitê de Relações Exteriores do Congresso americano por Roger Noriega, subsecretário de Estado para o Hemisfério Ocidental. Ele diz que o governo acompanha o caso e que as vendas do Brasil para Chávez não preocupam os EUA. Enfim, logo houve uma manifestação.

O empenho de Lula em consolidar uma liderança mais à esquerda na região tem a ver com a afirmação de Chávez de que está surgindo a "pátria latino-americana"?

Ah, eu não compro esse discurso, não. Como historiador do Atlântico Sul, eu olho o continente e diviso uma realidade na América andina, outra realidade na América índia e ainda outra realidade na América negra, que somos nós, brasileiros. As ligações mais profundas do Brasil são com a África e com as Antilhas. Nosso passado indígena não teve a grandiosidade do passado inca, asteca, maia, com suas reverberações contínuas. Portanto, essa grande "pátria latino-americana" não existe. É uma figura de retórica que dura 200 anos, sem corresponder às matrizes históricas e culturais.

Matrizes distintas dificultam o processo de formação do Mercosul?

O problema é de outra ordem. Num processo de integração, a decisão política sempre precede a decisão econômica. Na origem da União Européia, cujo processo tem 50 anos, derrubaram-se barreiras alfandegárias porque havia a vontade política inicial. Depois se criou um parlamento, uma moeda comum, uma nova constituição, tudo movido pelo espírito político. O Mercosul partiu de uma realidade até propícia, já que o Brasil se reconhece como um país platino por ter feito política na região desde os tempos do Império. Só que a construção do bloco deveria ter sido acompanhada de maior afinação política entre os países membros, fortalecida por intercâmbios na área cultural, científica e acadêmica, por trocas profissionais mais intensas, por estruturas jurídicas e tributárias, por tribunais de arbitragem... Isso tudo ainda não está na ordem do dia. Por isso insisto tanto na questão da democracia e dos direitos humanos. Hoje, com a porosidade das fronteiras brasileiras, é crucial que nosso país possa ter vizinhos com os quais consiga manter diálogos contínuos sobre inúmeros temas, das regras da pesca ao combate ao terrorismo. Enfim, a agenda é vasta e vai além das afinidades pessoais entre presidentes.

Esta semana, o embaixador Rubens Ricupero, ainda à frente da Unctad, ressaltou num seminário em São Paulo a magnitude do processo de unificação européia, dizendo ser algo sem precedentes. O Brasil tem dado a devida importância a isso?

Penso que não. Um jeito de medir o descaso é avaliar a cobertura da mídia. Com algumas exceções, os meios de comunicação do Brasil não estão contando o que se passa na Europa. Há erros factuais, muita desinformação, o que é um absurdo, pois no site da União Européia todos os dossiês têm de constar em português, uma vez que Portugal faz parte do grupo. Isso também foi motivo de crítica interna na BBC, em Londres, porque a rede não está acompanhando como se deve a consolidação da UE. Os relatórios da BBC condenam o viés americano na cobertura. No Brasil, nem se fala. Lembro-me de quando o euro entrou em circulação e um ex-presidente do Banco Central do Brasil escreveu artigos anunciando o fracasso da moeda comum.

E assinou besteira.

Completamente. Ricupero tem razão ao dizer que é algo inédito. Pela primeira vez na história da humanidade está se criando a frio, sem guerra, uma unidade política nova. Uma unidade que nasce pelo entendimento, pelo voto, pela negociação, pela arbitragem. Aqui na Sorbonne, vejo os efeitos disso ao cruzar com estudantes que vêm de Portugal, da Polônia, da Hungria... A moeda européia está forte, já afeta o dólar. A Coréia do Sul anuncia que vai aumentar suas divisas em euro. Então imagine quando a Rússia preferir receber euros pelo petróleo que vende ao mundo? O impacto da UE é impressionante do ponto de vista cultural também. País membro não pode adotar a pena de morte. Há um tribunal europeu de direitos humanos que é superior aos tribunais nacionais, e a França já foi condenada algumas vezes, com indenizações pesadas a pagar. Enfim, esse processo de enquadramento jurídico tem efeito civilizador.

Nesse tabuleiro de trocas comerciais, o Brasil cresce na exportação de produtos primários, de baixo valor agregado. Isso é um problema?

Não, ao contrário. Hoje em dia não se pode dizer que a soja seja um produto de baixo valor agregado, basta considerar todo o trabalho realizado pela Embrapa com a modificação de sementes. E o Brasil está abrindo frentes não só com a soja, mas também com o algodão, o café, a carne, ocupando uma posição destacada na faixa das commodities. É cada vez mais conhecida na Europa a sigla BRIC, que nomeia o elenco de quatro países (Brasil, Rússia, Índia e China) com potencial para dominar mercados nos setores primário, secundário e terciário. Nesse esquema, não há dúvida de que cabe ao Brasil a expectativa de ser um país-celeiro, assim como a China tende a ser a fábrica do mundo e a Índia, o escritório, já que se volta para o setor dos serviços.

Como é que o senhor vê a diplomacia brasileira hoje?

O Brasil nunca teve tanta visibilidade como agora, e isso é um fenômeno que se explica a partir de dois fatores. Um chama-se Fernando Henrique Cardoso. O ex-presidente alimentou uma rede importante de contatos acadêmicos e intelectuais que extrapola o meio político. Essa rede vem jogando a favor do País desde o início dos anos 90. O outro fator chama-se Luiz Inácio Lula da Silva. O atual presidente viaja pelo mundo há pelo menos três décadas, levando na bagagem uma singular biografia de líder sindical, perfeitamente compreendida tanto por sindicatos americanos quanto por lideranças européias saídas da melhor tradição social-democrata. Ambos são líderes de grande autenticidade e impulsionam tremendamente a diplomacia. É uma sorte do Brasil.

Essa boa imagem ajuda na disputa pela vaga no Conselho de Segurança da ONU?

Sim, mas o jogo anda complicado. A China não quer apoiar o Japão, como já disse anteriormente. A entrada da Alemanha na disputa incomoda Itália e Espanha. Esta, por sua vez, quer o apoio da Argentina e do México, que não vão fortalecer a posição brasileira. Já a candidatura da Índia incomoda o Paquistão. Daí os EUA falam na ampliação do Conselho com países sem direito de veto, o que não nos interessa. Todas essas amarras me faze m concluir que a única situação em que o Brasil realmente esteve perto de ser membro permanente do Conselho de Segurança foi ao término da 2.ª Guerra. Fomos o único país latino-americano a enfrentar o eixo Roma-Berlim, portanto, deveríamos ter mantido nossas tropas na Europa por mais tempo, até se arquitetar a nova ordem. O governo Dutra não entendeu a complexidade daquele momento e deixou a oportunidade escapar pelos dedos. Nossa história poderia ter sido bem diferente.