Título: Menos retranca no câmbio
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/03/2005, Economia, p. B2

Ainda não acabou o jogo de retranca no câmbio, mas o Banco Central (BC) deu sexta-feira um passo nessa direção. As decisões liberam e desburocratizam as operações, mas tendem a ter pouco impacto na tarefa de impedir o tropeço do dólar diante do real. Para entender melhor o que está em jogo, convém partir da natureza do sistema que prevaleceu até aqui e não foi inteiramente removido. Um dos grandes problemas da economia desde os anos 50 é a vulnerabilidade externa: é a propensão à fuga de capitais. A legislação cambial foi feita com base no diagnóstico de que o Brasil é vítima do capital estrangeiro que vem para cá com objetivos predatórios. Entendia-se que era preciso reforçar as proteções ao capital nacional e à indústria incipiente. Vem daí o jogo de retranca.

A partir dos anos 90, passou a ser entendido que a vulnerabilidade externa é fruto do desequilíbrio das contas públicas, ou seja, a eterna propensão do governo à gastança, que estica ao máximo a corda da dívida pública ao ponto em que o risco de calote fica muito alto. A fuga de capitais não passa de defesa do patrimônio privado contra confiscos. A partir desse ponto de vista, entendeu-se que a prioridade não é reforçar as defesas contra fuga de capitais, mas revigorar os fundamentos da economia. Enfim, a melhor maneira de levar a criança a livrar-se da gripe, bronquite e resfriados não é trancá-la no quarto, mas expô-la ao sol e ao ar livre para que seu sistema imunológico se fortaleça.

Quem pede controles no fluxo de capitais quase sempre está influenciado pelo diagnóstico dos desenvolvimentistas que prevaleceu na segunda metade do século passado. Quem prega a abertura entende que a vulnerabilidade externa é conseqüência da vulnerabilidade fiscal. O pacote do Banco Central vai nessa direção.

A preocupação imediata é com o que se pode chamar de tendência de valorização do real que tanto preocupa os exportadores: se o dólar segue escorregando no câmbio interno, as receitas em reais ficam mais baixas. Desse ponto de vista, as decisões parecem neutras.

Há dois meses, o ministro do Desenvolvimento, Luiz Furlan, vem pedindo maior prazo para os exportadores trocarem seus dólares por reais. Com isso, imagina ele, tenderão a segurar por mais tempo seus dólares, a oferta no câmbio interno diminuirá e as cotações deixarão de mergulhar. O Banco Central acaba de atender o ministro, mas é improvável que os exportadores façam o que imagina. Eles temem que o dólar caia ainda mais e seguirão trocando seus dólares o mais rapidamente possível para ganhar mais com as aplicações no mercado financeiro, onde os juros são generosos.

O ministro Furlan está superestimando o efeito da decisão por outro motivo: as cotações do dólar não estão caindo no câmbio interno apenas porque estão entrando capitais; estão caindo também porque não estão saindo. O importador, por exemplo, precisa de dólares para pagar seu fornecedor e, por isso, está entre os que poderiam ajudar no aumento da procura de dólares. Mas há fartura de crédito lá fora e ele não precisa pagar exportações à vista. Ele prefere importar a prazos cada vez mais largos e juros de 6% ao ano, vender a mercadoria importada no mercado interno, aplicar os reais que renderão juros fartos, e só comprar os dólares lá na frente, quando terão caído ainda mais.

Por aí se vê que um dos principais fatores pelos quais o dólar está caindo no câmbio interno são os juros altos. Mas a coisa é mais complexa. É claro que há capital especulativo que vem para cá aproveitar esses juros, mas o especulador não é o ator principal neste filme. Por isso, a taxação dos capitais especulativos ou o reforço na retranca ao capital estrangeiro, além de complicados, tendem a ter baixo nível de eficácia.

A decisão do Banco Central vai na direção certa, mas ninguém espere que, com isso, o dólar galope de volta a R$ 3.