Título: Buscar justiça, sinal de perigo no Pará
Autor: Luiz Maklouf Carvalho
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/03/2005, Nacional, p. A6

Ivanilde divulga dossiê da "máfia da fronteira Pará-Mato Grosso", que irmão entregou à polícia e ao MP semanas antes de ser assassinado NOVO PROGRESSO - No colo da tia Ivanilde Prestes Alves, o saudável bebê Natanael, 30 dias de vida, ainda está longe de saber que não tem pai. O que tinha, Adilson Prestes, mais conhecido por Piá, foi assassinado por pistoleiros em 3 de julho do ano passado. Morreu às dez horas da manhã, na rua, com quatro tiros. "Eu estava indo me encontrar com ele para mostrar o exame que confirmava a gravidez", diz Jaqueline, a mãe de Natanael. O azar da pistolagem, e dos mandantes, é que Piá, semanas antes, sentindo-se ameaçado, entregou ao Ministério Público Estadual e à Polícia Federal 5 páginas com informações sobre "a máfia que atua na fronteira do Pará com Mato Grosso", ao longo da BR-163, a tormentosa Cuiabá-Santarém.

É nome que não acaba mais: pecuaristas, madeireiros, políticos, advogados e policiais de Novo Progresso, Moraes de Almeida e Castelo dos Sonhos. Ivanilde não se cansa de divulgar o dossiê do irmão, cobrando a solução do caso, o que tem lhe rendido, e à família, constantes ameaças de morte. Em dezembro, ela mandou carta à ONU. Pediu ajuda para esclarecer o crime e registrou as ameaças: "É assustador, porque nós não sabemos o que pode acontecer conosco ou com nossos filhos a qualquer momento."

A morte de Piá abalou a cidade, teve repercussão nacional, mas, oito meses passados, o inquérito policial ainda não está concluído. "Eu só espero que não me matem antes", afirma Ivanilde ao lado do marido, Cido, também preocupado. Embora intranqüilos, não arredaram o pé de Novo Progresso. "Só vamos sair quando os assassinos estiverem presos", afirma, dando nomes, sem provas, dos que diz terem mandado matar seu irmão.

Paranaenses, os Prestes fizeram a vida em Terra Nova (MT), onde moraram por dez anos. Piá foi garimpeiro e formou fazenda de gado ocupando terra e se envolvendo em conflitos com pecuaristas e com a polícia. Em Novo Progresso e região, misturava a simpatia do catequista católico com a batalha do vale-tudo pela conquista da terra. Foi preso três vezes por porte ilegal de arma, uma delas por 96 dias, quando acusou policiais de tê-lo torturado. Conhecia a barra pesada - e daí, talvez, a importância de suas informações sobre "a máfia da fronteira Pará-Mato Grosso".

Quando o mataram, aos 33 anos, era posseiro, com alguns sócios familiares, de 1.200 alqueires, e tinha, segundo a irmã, 100 novilhas. "A polícia o perseguia porque ele denunciava a grilagem, o roubo de mogno, as mortes com ocultação de cadáver e o desmatamento descontrolado", diz a tia do pequerrucho Natanael, ainda esperançosa por uma solução.