Título: Tiros podem ter sido de propósito, diz italiana
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Fonte: O Estado de São Paulo, 07/03/2005, Internacional, p. A9

Para jornalista, americanos podem ter atirado em seu carro porque EUA rejeitam diálogo com seqüestradores

ROMA - A jornalista italiana Giuliana Sgrena, de 56 anos, ferida na sexta-feira por tropas americanas no Iraque depois de ter sido solta por seqüestradores, afirmou ontem que não descarta a possibilidade de que os soldados tenham atirado deliberadamente no carro em que ela viajava. No veículo estavam três agentes do serviço secreto da Itália, um dos quais, Nicola Calipari, de 50 anos, morreu ao levar um tiro na cabeça. Atingida no ombro e no pulmão, Giuliana foi removida sábado para um hospital em Roma, onde se recupera. "É conhecido o fato de que os americanos não querem negociações para libertar reféns", declarou Giuliana à TV italiana SKY TG24. "Todo mundo sabe que eles fazem de tudo para impedir esta prática, adotada para salvar a vida dos reféns. Portanto, não vejo por que eu deveria descartar a hipótese de que eu era o alvo."

Giuliana foi seqüestrada em 4 de fevereiro por um grupo que, a princípio, exigiu a retirada das tropas italianas, do contrário mataria a refém. Mas, depois da ação do serviço secreto da Itália, ela foi solta sexta-feira e ia com os agentes para o aeroporto de Bagdá quando seu carro foi alvo de disparos de uma patrulha americana.

Porta-vozes das forças dos EUA disseram que o veículo estava em alta velocidade e os soldados fizeram vários sinais para que parasse, só atirando porque o motorista não atendeu às ordens. No entanto, a jornalista contestou essa versão. Ela garante que o carro ia a baixa velocidade e os militares não fizeram nenhum sinal.

Reagindo às declarações de Giuliana, o ministro das Comunicações, Maurizio Gasparri, pediu que ela seja mais comedida em seus comentários. "Entendo a emoção dessas horas, mas aqueles que estiveram sob estresse nas últimas semanas deveriam se recompor e evitar falar absurdos."

Os disparos contra o carro dos italianos alimentaram o sentimento antiamericano na Itália, cuja população era majoritariamente contra a invasão do Iraque e o envio de tropas italianas ao país do Golfo. No momento o país tem 3 mil soldados no território iraquiano.

Jornais italianos comentaram que o governo teria pago até 8 milhões (R$ 27 milhões) aos seqüestradores. Na entrevista, Giuliana disse nada saber sobre pagamento de resgate. Ela era correspondente, em Bagdá, do diário esquerdista Il Manifesto, que se opôs à invasão do Iraque e ao envio de tropas italianas ao país.

NOBEL

Um grupo de cristãos iraquianos exilados nos EUA lançou na internet um abaixo-assinado pedindo a entrega do Nobel da Paz ao grão-aiatolá Ali al-Sistani, líder da comunidade xiita do Iraque. "Ele deu aos muçulmanos de todo o mundo um bom exemplo de como buscar meios pacíficos para resolver desafios políticos e sociais", diz o texto. (AFP e AP) ESTADOS UNIDOS CIA envia presos a países que torturam Segundo 'The New York Times', Bush autorizou agência a 'devolver' suspeitos de terror a países como Egito e Síria para interrogatório Douglas Jehl e David Johnston The New York Times WASHINGTON - Um programa secreto da administração de George W. Bush para transferir suspeitos de terrorismo para outros países a fim de passarem por interrogatório tem sido executado pela CIA, sob uma ampla autoridade que lhe permite agir sem aprovação da Casa Branca ou do Departamento de Estado ou Justiça, segundo atuais e ex-funcionários do governo americano.

A extensa e incomum autoridade para a CIA operar de maneira independente desde os atentados de 11 de setembro de 2001 foi dada pela Casa Branca por meio de uma diretiva ainda confidencial assinada pelo presidente Bush pouco dias depois dos ataques ao World Trade Center e ao Pentágono, disseram os funcionários.

O processo, conhecido como "devolução", tem sido central nos esforços do governo para acabar com o terrorismo, mas é altamente criticado por grupos de direitos humanos com base na tese de que a prática viola a promessa pública do governo Bush de fornecer proteção contra a tortura. Ao dar uma descrição detalhada do programa, um importante funcionário dos EUA disse que foi usado somente com suspeitos de ter conhecimento de operações terroristas, e enfatizou que a CIA se esforçou bastante para garantir que serão detidos sob condições humanas e não serão torturados.

A autoridade não quis discutir nenhuma das diretivas legais sob as quais a agência opera, mas disse que "a CIA tem autoridade para conduzir essas operações legalmente".

Os funcionários se recusaram a ser identificados, mas concordaram em discutir o programa para refutar as declarações de que os EUA usam o programa para mandar secretamente pessoas para outros países com o propósito de torturá-las. As transferências foram retratadas como uma alternativa ao que funcionários americanos disseram ser o processo caro de abrigá-los nos EUA ou em instalações americanas em outros países.

Nas últimas semanas, vários ex-detentos disseram ter sido submetidos a técnicas de interrogatório coercitivas e tratamentos brutais durante meses de detenção sob o programa, no Egito e em outros países. O funcionário não discutiu casos específicos, mas não contestou que houve instâncias nas quais os prisioneiros foram maltratados.

O funcionário disse que o inspetor-geral da CIA estava revisando o programa de devolução como uma entre pelo menos seis investigações em andamento na agência de possíveis condutas duvidosas envolvendo a detenção, interrogatório e transferência de suspeitos de terrorismo.

Em público, o governo Bush se recusou a confirmar que o programa de devolução exista, dizendo apenas que os EUA não entregam pessoas para tortura. Ex-funcionários do governo dizem que a CIA já levou de 100 a 150 suspeitos de terrorismo para outros países desde o 11 de Setembro, incluindo Egito, Síria, Arábia Saudita, Jordânia e Paquistão.

Cada um desses países foi identificado pelo Departamento de Estado como praticante freqüente da tortura nas prisões. Mas o funcionário disse que as regras criadas dentro da CIA exigem que nenhuma transferência ocorra antes que os países receptores forneçam garantias de que o prisioneiro será tratado com humanidade e o pessoal americano possa monitorar a obediência a essas promessas.

"Temos garantias, checamos essas garantias, e nós as checamos duplamente para certificar-nos de que as pessoas sejam tratadas corretamente, com respeito aos direitos humanos", disse o funcionário. Ele acrescentou que a obediência tem sido "muito alta", mas ressalvou que "nada é 100%, a menos que estivéssemos lá olhando para eles 24 horas por dia".

Há muito tempo sabe-se que a CIA mantém um pequeno grupo de altos líderes da Al-Qaeda em locais secretos fora dos EUA e que o Exército americano detém centenas de suspeitos de terrorismo na base de Guantánamo (em Cuba) e no Afeganistão. O programa de devolução teria como objetivo ampliar as operações anterroristas, segundo ex-funcionários do governo, permitindo que os EUA obtivessem informações dos interrogatórios dos prisioneiros - a maior parte dos quais foram mandados para seus países natais ou dos quais são cidadãos.

Antes do 11 de Setembro, a CIA foi autorizada pela Casa Branca a levar a cabo as devoluções, mas de acordo com regras muito mais restritivas do que as que estão em vigor agora. Antes, na maior parte das instâncias, a transferência de prisioneiros individuais exigia revisão e aprovação de grupos interagências liderados pela Casa Branca - e geralmente se tratava de prisioneiros transferidos para enfrentar acusações criminais.

Como parte de sua nova ampla latitude, de acordo com atuais e ex-funcionários do governo, a CIA foi autorizada a mandar prisioneiros para outros países exclusivamente com a proposta de detenção e interrogatório.

As transferências secretas feitas pela CIA enfrentam fortes críticas, em parte por causa dos relatos de antigos prisioneiros que disseram ter sido espancados, humilhados, submetidos a choques elétricos e outros maus-tratos durante sua longa detenção em prisões estrangeiras, antes de serem libertados sem acusação.