Título: O valor do BNDES
Autor: Demian Fiocca
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/03/2005, Economia, p. B2

OPINIÃO

O BNDES, a Petrobrás, o Banco do Brasil e tantas outras organizações estão entre os casos de sucesso de ações públicas que contribuem, no terreno econômico, para a construção do que o Brasil tem de bom, de moderno, de desenvolvido. Seria ruim para o País se permitíssemos que ataques de um ou outro colunista a aspectos específicos da missão do BNDES obscurecessem o enorme valor positivo da instituição. Houve três tipos de ataques.

O primeiro, em resumo, tenta dizer que o BNDES é culpado pelos juros altos. Parte-se da constatação de que há uma anomalia na economia brasileira, qual seja, o fato de ela crescer, como em 2004, mesmo com taxas de juros muito altas.

Trata-se então de explicar o fraco efeito da taxa de juros do Banco Central (BC) do seguinte modo: a política monetária do BC estava contendo a expansão do crédito pelo sistema financeiro privado, mas o BNDES liderou uma forte expansão do crédito dirigido. Isso aumentou a taxa de crescimento do crédito total, apesar dos juros altos.

É verdade que a economia cresceu, apesar dos juros elevados, e que isso é intrigante. Mas a hipótese de que a explicação esteja na expansão acelerada do crédito do BNDES não se sustenta, por uma razão elementar: não houve contenção do crédito livre nem expansão acelerada do crédito do BNDES.

A oferta de crédito livre, sob influência do BC, cresceu 21,2% em 2004. A oferta de crédito do BNDES cresceu 6,1% (*). Em termos reais, o crédito livre cresceu 12,9%, enquanto o do BNDES caía 1,2%.

É claro que para sustentar um novo ciclo de investimentos o BNDES deve aumentar seus financiamentos. Mas o caso concreto de 2004 mostra que, se existe um "mistério" no efeito dos juros, sua explicação deve ser buscada nos mecanismos de transmissão entre a taxa do BC e a oferta de crédito privado. É este que a política monetária visa a influenciar e que, entretanto, teve forte expansão real.

Um segundo tipo de ataque procura passar a imagem de que, ao utilizarem recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e remunerá-los à TJLP (hoje em 9,75% ao ano), os empréstimos do BNDES "tiram dinheiro do trabalhador" e o repassam a um pequeno grupo de beneficiados. É uma caricatura capaz de indignar os que conhecem os procedimentos do banco, a dedicação, a competência e a seriedade de seus profissionais.

É rigorosamente falso afirmar que o nível da TJLP ou o volume de desembolsos do FAT tirem "o dinheiro do trabalhador". O FAT é um fundo fiscal e, diferentemente do FGTS, os trabalhadores não têm nenhum saldo próprio desse fundo. O FAT é usado para financiar investimentos e criar postos de trabalho ou custear o seguro-desemprego. O que não for usado fica ocioso como reserva financeira.

Sobre a acusação de beneficiar "só os amigos do rei", um dado basta para mostrar a leviandade dessa afirmação. Em 2004, o BNDES não fez empréstimos para 20 "amigos", nem para 50, nem para 200. Fez empréstimos para 106,1 mil empresas de praticamente todos os setores da economia, de todos os portes, de todas as regiões do País. Fez parte diretamente e parte com o crivo adicional dos bancos repassadores.

Por fim, os que atacam o BNDES tampouco têm razão em outra questão mais geral: a tentativa de negar a legitimidade da existência de um banco de desenvolvimento. Certas opiniões agressivas parecem transpirar um rancor ideológico que não se conforma com a possibilidade de que políticas públicas dêem certo, organizações públicas prestem serviços importantes e executivos do setor público sejam sérios.

No Brasil, os valores da maioria parecem mais próximos da social-democracia que do liberalismo puro. É legítimo que alguns opinem que a lógica de mercado deva presidir todas as ações humanas na esfera econômica. Mas também é obviamente legítimo que outros discordem e pensem que a intervenção consciente dos homens sobre a realidade seja correta e necessária para o desenvolvimento do País.

O tratamento desrespeitoso de algumas manifestações pretende deixar a impressão de que a única opinião aceitável é a que achincalha as instituições públicas. Pois não é. O Ocidente tem pelo menos 200 anos de tradição humanista. Uma tradição construída por grande parte do que de melhor o mundo produziu na filosofia, na literatura, nas ciências sociais. A visão de mundo social-democrata deve ser respeitada. E as instituições públicas coerentes com tal visão, também.