Título: Novos gargalos ameaçam megassafra
Autor: Renée Pereira
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/03/2005, Economia, p. B1

Além de deficiências no transporte rodoviário e ferroviário, falta de armazéns e explosão dos transgênicos vão dificultar escoamento O setor agrícola terá de fazer milagres para escoar a megassafra de 131,5 milhões de toneladas de grãos prevista para este ano. O volume maior deverá agravar as fragilidades da infra-estrutura de transporte e, aliado à queda do dólar, tende a prejudicar a competitividade do produto brasileiro no exterior. Além das velhas carências, como estradas precárias, falta de capacidade das ferrovias e sistema portuário ainda em modernização, novos gargalos devem piorar o escoamento da produção nos próximos meses de uma safra 9,5% maior do que a anterior. Em 2004, foram colhidas 120 milhões de toneladas de grãos. Na avaliação do professor do Centro de Logística da Coppead da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Paulo Fleury, um dos principais focos de preocupação está na explosão dos produtos transgênicos. Estima-se que neste ano até 20% da safra brasileira seja de grãos modificados geneticamente. Só no Rio Grande do Sul cerca de 90% da plantação de soja é transgênica.

Mas os produtores não poderão contar com um dos mais importantes terminais agrícolas do País: o Porto de Paranaguá, no Paraná, responsável pelo transporte de 27% da produção nacional de soja em grãos e 31% de farelo. O governo do Estado proibiu a embarcação de qualquer produto transgênico rumo ao exterior.

Desta forma, as empresas terão de mudar a rota e encontrar outras alternativas para exportar a safra, como o Porto de Rio Grande e Santos. A manobra, no entanto, poderá sobrecarregar os demais terminais, cujo acesso já é extremamente complicado. Além disso, elevará os custos de transporte das empresas, considerando que as filas para descarregamento dos produtos tendem a aumentar.

Outro transtorno neste ano será o acesso pela Rodovia Regis Bittencourt. Desde o final de janeiro, o trecho no km 42 está operando em mão dupla por causa do desmoronamento de uma ponte. Com o aumento do fluxo de caminhões nos próximos meses por causa do início da safra, os motoristas deverão enfrentar grandes congestionamentos na área, fator que pressiona o preço do frete.

Mas os problemas não estão apenas nas rodovias e portos . O setor ferroviário também representa um grande gargalo para o País. Em vez de crescer, ele encolheu nos últimos anos, indo na contramão do aumento da produção agrícola e industrial. Na avaliação do vice-presidente da Federação da Indústria do Estado de São Paulo (Fiesp) e diretor do Departamento de Infra-Estrutura da entidade, Saturnino Sergio da Silva, a dúvida do momento paira sobre a Brasil Ferrovias, empresa que detém a concessão de um dos mais importantes corredores de exportação, do Centro-Oeste para Sudeste.

A holding, dona da Ferronorte, Novoeste e Ferroban, negocia com o BNDES um projeto de apoio à sua reestruturação financeira. Segundo o protocolo de intenções, assinado em outubro, o acordo prevê a compra de 60 locomotivas e 1,6 mil vagões. Mas, segundo especialistas, a demora na conclusão do negócio poderá comprometer a capacidade de atender o setor agrícola do Centro-Oeste.

O ideal seria resolver essa pendência até o final do mês, quando o fluxo de movimentação da safra deve aumentar. Como o preço da soja no mercado internacional estava em queda, os produtores seguraram os grãos, esperando uma recuperação, afirma o diretor da Cargill, José Luiz Glaser.

A preocupação do mercado é não haver controle no escoamento da produção, quando os preços retomarem nível atraente. Se todos resolverem escoar os grãos ao mesmo tempo, as filas quilométricas, comuns nos portos, se intensificarão. "Mas, se houver planejamento, o fluxo pode ser mais tranqüilo", diz Glaser. A safra brasileira também precisa entrar no mercado internacional antes do início da colheita americana, em setembro.

Mas há outro fator que impede a retenção dos produtos: a falta de armazéns para absorver o aumento da produção. Essa deficiência faz com que maior parte da safra seja guardada em caminhões nas filas dos portos. Especialistas alertam que as diárias dos caminhões custam caro, assim como a dos navios (cerca de US$ 36 mil por dia) que ficam atracados.

Apesar dos avanços da agricultura, pouco se fez em termos de infra-estrutura. Em 2004, enquanto o PIB cresceu 5,2%, investimentos federais em transportes somaram R$ 2,4 bilhões ou 0,14% do PIB. O Banco Mundial (Bird) recomenda aos países emergentes destinarem, no mínimo, 3,5% do PIB à infra-estrutura.