Título: Como baixar os juros
Autor: Maílson da Nóbrega
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/03/2005, Economia, p. B3

OPINIÃO

O tema dos juros se presta como poucos à paixão, à indignação e ao equívoco. Foi assim que interpretei a crítica de conhecido empresário brasileiro aos juros altos, o qual argumentava que bastaria a metade para contentar os banqueiros.

Uma emissora de rádio de São Paulo entrevistou parlamentares sobre a Medida Provisória 232, que aumentou a carga tributária. A oposição à MP foi geral, mas uma senadora achou que a perda de arrecadação poderia ser compensada com a redução dos juros, o que também geraria mais desenvolvimento, emprego e receita.

Também se diz que os juros aumentam para engordar o lucro dos bancos e cumprir instruções do FMI. Se fosse assim, o BC seria uma instituição diabólica. Como justificar juros tão altos se essas pessoas mostram como reduzi-los? Essas visões contêm três erros: (1) o Banco Central fixa os juros a seu bel prazer; (2) os bancos ganham com os juros e não com o "spread" (a diferença entre o custo de captação dos recursos e o que cobram dos clientes, excluídos os tributos, os custos administrativos e as perdas por empréstimos não pagos); (3) os bancos compram títulos do Tesouro com seu próprio dinheiro e não com os recursos dos depositantes ou estes sairiam de graça.

Há os que baseiam a crítica em argumentos aparentemente técnicos. São os que exibem tabelas com a média da taxa de juros reais de um conjunto de países - inclusive alguns desenvolvidos -, a qual é muito inferior aos 12% prevalecentes no Brasil. Sem levar com conta a origem da diferença, essa comparação carece de sentido, embora faça sucesso perante a opinião pública. Parece combinar desinformação e memória de outros tempos.

De fato, no passado, o Conselho Monetário estabelecia a taxa de juros dos bancos comerciais. Acontece que o País era outro: regime autoritário, economia fechada, quase ausência de conexão com os mercados financeiros mundiais, primitivismo institucional nas finanças públicas e assim por diante.

Hoje, com o País mais integrado aos fluxos mundiais de comércio e finanças, além de praticante do regime de câmbio flutuante, acabou a liberdade de fazer com a taxa de juros, sem conseqüências, o que der na telha da autoridade monetária.

A taxa de juros incorpora a percepção de risco do Brasil. E aqui vai a grande diferença. Conspiram contra nós o passado de moratórias e calotes, a periclitante situação fiscal, a vulnerabilidade a crises externas e o risco jurisdicional.

O Brasil é, de fato, um dos países mais arriscados dentre os chamados mercados emergentes. Em levantamento do banco J. P. Morgan, apenas cinco países exibem prêmios de risco maiores: Argentina, Filipinas, Equador, Nigéria e Venezuela. Em uma lista de 27 países, preparada pela "Economist Inteligence Unit", o Brasil é o 13.º pior risco para investimentos. Além desses cinco, ganhamos apenas de países como Iraque, Zimbábue, Egito e Ucrânia.

Suponho que ninguém defende uma volta ao passado para assim reduzir a taxa de juros. Se por absurdo se admitisse que o BC é mesmo diabólico e os juros fossem reduzidos à metade, como quer aquele empresário, as aplicações em mercados emergentes de menor risco se tornariam mais atrativos. Haveria fuga de capitais para esses mercados ou para ativos reais.

O resultado seria queda de confiança, forte desvalorização cambial e mais inflação. Diminuiria o ritmo do investimento, do crescimento econômico e do emprego. O presidente perderia popularidade e veria a destruição das chances de sua reeleição em 2006, hoje tida como provável pelas pesquisas de opinião. Não é à toa que Lula não manda o BC baixar os juros, embora em outros tempos pensasse que poderia fazê-lo quando chegasse lá.

Ninguém duvida que os juros são elevados. Infelizmente, mesmo que descontássemos o suposto conservadorismo do BC, a Selic ainda ficaria muito longe da metade.

A solução para colocar a taxa de juros nos níveis observados em outros países é fazer com que nosso risco se aproxime do deles. Isso depende essencialmente de reformas para atacar nossos intricados problemas fiscais, promover avanços institucionais como a autonomia formal do BC, remover obstáculos ao investimento e diminuir a insegurança associada à qualidade de nossa regulação e às decisões do Judiciário. Baixar a taxa de juros por mera vontade política é fácil. O problema é o que virá depois.