Título: ¿Aumento do PIB é o 1.º de uma série¿
Autor: Suely Caldas
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/03/2005, Economia, p. B4

Para diretor do BNDES, País apresenta indicadores econômicos que tornam a expansão de 5,2% em 2004 ¿sólida e de boa qualidade¿

ENTREVISTA: ANTONIO BARROS DE CASTRO, diretor de Planejamento do BNDES

RIO - Não é vôo da galinha, nem espasmo, nem soluço, nem bolha. O crescimento de 5,2% do Produto Interno Bruto (PIB) de 2004 é o primeiro de uma série que vai durar muitos anos. Para o economista e diretor de Planejamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Antonio Barros de Castro, é o Brasil chegando ao ambicionado crescimento econômico sustentado, que ele chama de "crescimento econômico e socialmente correto". Castro relaciona índices e indicadores para provar o que diz: disparada na demanda por máquinas desde o início de 2004, contas externas com sobras, quadro fiscal controlado, superávit primário, redução da dívida pública e recuperação do poder aquisitivo das classes C, D e E. "Tudo isso forma um conjunto que torna a expansão que vivemos sólida e de boa qualidade", afirma.

Com o resultado do PIB de 2004 já é possível confiar em crescimento contínuo e firme nos próximos anos? Ou ainda é cedo?

Os números do PIB indicam que a economia caminha firme nessa direção. Um dado é extremamente relevante: o investimento em máquinas e equipamentos cresceu 19,3% entre 2003 e 2004 - um resultado espantoso, que expressa a clara decisão empresarial de confiar na expansão da economia.

É o que o sr. tem observado aqui no BNDES?

Aqui no banco temos mais de uma forma de acompanhar esse movimento com olho cravado nas decisões empresariais. Há o Modermaq, que deslanchou muito recentemente. Mas vamos analisar a Finame, que está aí desde sempre. Se tirarmos caminhões e máquinas agrícolas da Finame, para ficar só em máquinas usadas em infra-estrutura e que aumentam a capacidade de produzir da indústria (os bens de capital sem rodas), o crescimento de janeiro de 2005 contra janeiro de 2004 foi de 177%. Ao longo de 2004, a liberação de recursos pela Finame cresceu 25% a cada trimestre. Este é o apetite demonstrado pelos empresários, que buscam aquilo que dá resposta rápida. Eles raciocinam assim: estamos saindo de uma longa estagnação, o potencial está aí, vamos avivá-lo com novas máquinas. Estão partindo para uma segunda rodada de aumento de produtividade. O que a economia brasileira está presenciando é um crescimento economicamente correto.

E o que é um crescimento economicamente correto?

É ajustado às circunstâncias. Um crescimento fundado em grandes investimentos em infra-estrutura, plantas novas, não poderia ocorrer porque haveria problemas de poupança. Com o consumo ainda comprimido e a determinação de não ter grandes déficits em transações correntes, a única maneira de crescer rápido, durante algum tempo, é trocar máquinas e equipamentos, exatamente o que está sendo feito.

Mas se não houver investimentos em infra-estrutura e em novas plantas, em 3, 4 anos podem ocorrer problemas de oferta e a inflação voltar.

O problema até ontem é se ia ou não crescer. Cresceu. O problema hoje é crescer sem dar um salto no investimento. É este caminho que está sendo descoberto! Estou gostando disso - primeiro as pessoas não acreditavam que ia crescer, depois não acreditavam que ia crescer razoavelmente bem em 2004 e agora já estão dizendo: será que daqui a 4 anos? Ótimo, a preocupação já é com 2007, 2008, realmente está pra lá de bom.

E como o sr. projeta os próximos passos?

Estamos ingressando num ciclo de crescimento de longo prazo. O faro empresarial percebe isto. Com certeza não vivemos uma bolha, um soluço, um espasmo. Estamos entrando numa rota de crescimento continuado, com futuro. A taxa de investimento cresce. De 2003 para 2004, passou de 18% do PIB para aproximadamente 20% do PIB. É essa análise que queria fazer sobre os dados do PIB, eles superam nosso otimismo.

Os números do PIB mostram um crescimento vigoroso no primeiro semestre e uma preocupante queda de ritmo no segundo. Não seria um sintoma de perda de fôlego que ameaça o crescimento?

Se há lição que os brasileiros deveriam ter aprendido na turbulência dos últimos anos é que crescimento não é apenas uma questão de taxa ou quantidade. Um impulso expansivo pode ser intenso e, no entanto, frágil. Em outras palavras, a qualidade do crescimento é fundamental. Em 2004 temos a espetacular ampliação do saldo comercial e maior solidez no quadro fiscal, com aumento do superávit primário e redução da dívida pública. E pesquisas revelam forte elevação do poder aquisitivo das classes C, D e E, especialmente na segunda metade do ano. Essas três características, acrescidas da disparada na demanda de máquinas ao longo do ano, me levam a reafirmar que o crescimento de 2004 foi não só econômico mas também socialmente correto. Ao longo do primeiro semestre de 2004, o PIB industrial cresceu 2,6%; ao longo do segundo semestre cresceu 3,2%.

O sr. conclui, então, que não houve desaceleração no segundo semestre do ano passado?

Não é que não houve. Ela existe, mas está influenciadíssima pela desaceleração do produto da agropecuária, que é completamente arbitrário, e ao produto de serviços, que também é artificial. São dois artifícios que levam a conclusão que desacelerou no segundo semestre. Mas focando o comportamento da indústria - que é o que interessa - observa-se que não houve desaceleração nenhuma. Isso é uma bomba. Ninguém verificou isso e é capaz de detonar uma polêmica.

Há quem alerte que no atual estágio da economia o PIB potencial, aquele inflacionariamente neutro, suporta crescimento de até 3,5%. Acima disso vira problema. É verdade?

Esta cifra de 3,5% tem sido atribuída ao Banco Central. Os documentos publicados pelo BC têm apontado para crescimentos acima e abaixo dessa cifra. O BC nunca assumiu essa taxa oficialmente. Na última ata do Copom, nota-se claramente que o BC está abandonando essa hipótese de 3,5%, por perceber que esse cálculo tem bases duvidosas, ou por ter enxergado uma mudança de tendência, possivelmente acima de 3,5%. Se assim for, estamos convergindo.

Há similaridades entre os desempenhos das economias da China e da Índia com este recente crescimento brasileiro?

A China tem vantagens pronunciadas para crescer. Não se trata apenas da mão-de-obra baratíssima, mas também do espetacular salto em infra-estrutura, investindo em energia e removendo gargalos que surgem na própria expansão. Além disso, a China tem um mercado interno gigantesco. A China tem montada uma tremenda máquina de crescimento. A nossa máquina de crescimento operou até 1980 e foi desmontada. Parece-me claro que a China hoje não sabe não crescer rápido, enquanto o Brasil está aprendendo a crescer.

E a Índia?

A Índia tem um desempenho completamente diferente da China, do ponto de vista qualitativo. As instituições são outras e a dinâmica é outra. China, Índia e Brasil são três experiências com caminhos próprios, e o nosso país está ainda por definir. Não há estratégia para enfrentar as ameaças de oportunidades colocadas pela China. Portanto, não dá ainda para fazer esse tipo de comparação.