Título: Um exemplo para não ser seguido
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/03/2005, Economia, p. B5

Para economista do Ipea, discutir um possível calote no País não é só uma questão econômica, é moral. E também "um disparate" Depois da bem-sucedida reestruturação da dívida argentina e da recuperação da economia do país vizinho, alguns analistas estão apontando a moratória como uma alternativa para o Brasil. A pergunta que passa pela cabeça de algumas pessoas é a seguinte: "A Argentina não pagou a dívida e se saiu bem. Por que o Brasil precisa continuar pagando os enormes juros da dívida?" Porque o Brasil tem condições de pagar a dívida e porque um calote afetaria diretamente o bolso da classe média brasileira, responde Fabio Giambiagi, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que é especialista em Mercosul e economia argentina. A Argentina estaria bem hoje se não tivesse parado de pagar sua dívida?

Essa possibilidade não existia. A Argentina simplesmente não tinha dólares para pagar os juros e as parcelas de amortização que estavam vencendo. Naquelas circunstâncias, a moratória na Argentina se tornou inevitável, o que não quer dizer que seja uma opção realista e válida para outros países.

Há quem diga que a moratória acabou sendo um bom negócio para a Argentina - o país conseguiu um enorme desconto na renegociação da dívida, está crescendo muito e deve voltar ao mercado internacional mais cedo ou mais tarde. Por que o Brasil não faz a mesma coisa?

Essa discussão envolve aspectos morais. Uma pessoa, quando assume uma dívida, se tem condições de pagar, ela pode e deve pagar. Defender a idéia de que o Brasil não pode pagar a dívida é um disparate completo. Estamos hoje com a menor relação dívida externa líquida sobre exportações dos últimos 30 anos. A relação dívida-PIB caiu cinco pontos no ano passado. Portanto, dizer que o Brasil deveria seguir os passos da Argentina é um equívoco completo.

Ao honrar seus compromissos, o Brasil precisa encaminhar para os juros recursos que poderiam ser investidos em educação, infra-estrutura. Será que o custo de pagar a dívida não é muito alto no Brasil?

Vamos estabelecer o seguinte raciocínio - uma pessoa que pega um empréstimo de R$ 100 mil para comprar a sua casa, evidentemente terá mais recursos para gastar se, quando chegar o momento de pagar, der uma banana para o credor e usar o dinheiro para fazer outras coisas. Mas a pergunta que cabe é: é assim que se constróem as bases para uma economia saudável? Como uma pessoa se sentiria se emprestasse R$ 10 mil para um amigo e só recebesse R$ 3 mil de volta? Estamos falando de coisas que são econômicas, mas também morais. Não podemos ser uma sociedade de caloteiros.

O calote não prejudica a Argentina?

Em 2002, a Argentina teve uma queda do PIB de 11% por causa da combinação entre a crise e o calote. As pessoas no Brasil se queixavam porque a nossa renda per capita aumentou pouco na média, depois do ajuste de 1999. Não quero nem imaginar o que aconteceria se nosso PIB caísse 10%.

O que aconteceria se o Brasil não pagasse a dívida?

Precisamos entender o que está em jogo. As pessoas que defendem que o Brasil deveria fazer o que a Argentina fez estão, na prática, defendendo a adoção de um corralito. O corralito levou à derrubada de um governo na Argentina. É isso o que nós queremos? A Argentina deu o calote no resto do mundo, substancialmente. No Brasil, se o governo decretasse moratória, ele estaria prejudicando brasileiros detentores de poupança, já que a dívida é essencialmente doméstica.

Existe alternativa para o Brasil reduzir sua dívida?

Dar continuidade ao que vem sendo feito nos últimos anos. A médio e longo prazos, há amplo espaço para reduzir o serviço da dívida com a queda dos juros.