Título: O fim dos monitores
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Fonte: O Estado de São Paulo, 19/02/2005, Notas e Informações, p. A3

Em um mês, o secretário de Justiça e presidente da Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem), Alexandre de Moraes, levou à cadeia monitores acusados de tortura, identificou fraudes nos pedidos de licenças médicas e anunciou que identificaria e demitiria a "banda podre" existente entre os funcionários do órgão. Segundo ele, sua função na Febem não se restringe a conduzi-la, mas a mudá-la.

E a mudança começou na quinta-feira, quando demitiu 1.751 monitores de uma só vez e, para substituí-los, contratou em caráter emergencial 1.606 agentes de segurança e 773 educadores sociais. Os primeiros completaram, no mínimo, o ensino médio e dos segundos foi exigida formação universitária. Os monitores demitidos dos principais complexos da Febem - Tatuapé, Vila Maria, Raposo Tavares e Franco da Rocha - concluíram apenas o ensino fundamental.

A intenção do governo estadual é impedir que uma mesma pessoa exerça as funções de educador e de repressão. A sobreposição, segundo o presidente da Febem, criou uma estrutura viciada. O coordenador estadual do Movimento Nacional de Direitos Humanos, Ariel de Castro Alves, relata casos em que monitores que haviam maltratado internos escoltavam suas vítimas, que iam denunciar seus agressores às autoridades.

Nessa estrutura viciada, monitores insuflavam rebeliões e facilitavam fugas para forçar a administração da Febem a atender às suas reivindicações, inclusive as salariais. Na quarta-feira, ao saber que estaria na lista de demitidos, um funcionário da unidade do Tatuapé entregou a internos a chave da cela onde estava um menor de 15 anos, que fora para o isolamento por indisciplina. Ele foi selvagemente espancado pelos rivais. No Complexo Franco da Rocha, no mesmo dia, 35 meninos fugiram quando estavam para receber atendimento médico. Foi uma fuga semelhante às tantas ocorridas nas últimas semanas, coincidentemente, sempre em seguida a uma medida adotada pelo presidente da Febem no processo de reforma da fundação.

A repetição da estratégia de insuflar rebeliões para intimidar a administração foi, aliás, o motivo que levou o governo, desta vez, a demitir em bloco os 1.751 monitores. Essa medida poderá gerar críticas, por atingir igualmente funcionários atrabiliários e torturadores e servidores honestos. Mas o fato é que a dramática e degradante situação da Febem já não permitia que o governo agisse com vagar, avaliando o desempenho de cada servidor, como se nas unidades de recolhimento reinasse a normalidade. Na Febem, nos últimos anos, dois grupos rivais estiveram em permanente confronto - um formado pelas lideranças dos infratores, jovens altamente perigosos, muitas vezes maiores de idade e reincidentes; e o outro composto por monitores despreparados e violentos que, aproveitando-se de seu poder dentro das unidades, insuflavam rebeliões para auferir vantagens materiais, inclusive horas extras - pois a esse ponto chegou o descalabro.

Muitos monitores estiveram envolvidos com facilitação de fugas, intermediação de armas de fogo e fornecimento de drogas aos adolescentes. Recebiam pelos serviços prestados parte do fruto dos assaltos cometidos nas ruas pelos fugitivos.

Não há como recuperar o modelo da Febem. É preciso criar um novo, baseado na descentralização e no enfoque educativo, defendido desde o governo Mário Covas. Desde 1999, o objetivo era implantar o plano de separar os menores por idade, compleição física e crime cometido, mantê-los em unidades pequenas e perto de suas famílias, mas o governo não conseguiu colocá-lo em prática por razões claras: a resistência, freqüentemente criminosa, de funcionários da instituição; a atitude de prefeitos do interior, que ainda se recusam a receber unidades da Febem em seus municípios; e a posição de juízes que receiam decretar penas alternativas, despachando para a Febem tanto os infratores acusados de homicídio como os que roubaram para comer.

Por tudo isso, os prédios que foram construídos recentemente ficaram rapidamente superlotados, impedindo a separação dos infratores. Agora, o presidente da Febem garante que, nos próximos meses, isolará as lideranças negativas dos menores em quatro unidades. Em outra, ficarão os garotos de perfil "belicoso", como define Alexandre de Moraes.

Anuladas as forças negativas - os monitores truculentos e os líderes violentos -, a Febem estará pronta para passar pela prometida reforma, profunda e, espera-se, definitiva.