Título: A batalha agrícola
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/02/2005, Notas e Informações, p. A3

O Brasil é um dos países com maior potencial para aumentar a exportação agrícola nos próximos anos, segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Os dois estudos coincidem apenas em alguns pontos e o do governo americano é bem mais otimista que o outro. De acordo com os técnicos do USDA, a economia mundial poderá crescer em média 5% ao ano entre 2006 e 2014, 2 pontos a mais que nos últimos 3 ou 4 anos, e isso produzirá dois efeitos muito importantes: manterá os preços em nível satisfatório e, graças a isso, o governo dos Estados Unidos poderá reduzir os subsídios pagos aos produtores americanos.

O documento da FAO é mais um alerta a respeito dos males causados ao mundo em desenvolvimento pelo protecionismo e pelos subsídios mantidos principalmente pelos países mais avançados. A conservação dessas políticas, nos próximos anos, impedirá que o Brasil aproveite plenamente seu potencial de produção e exportação, representado por "alguns dos produtores mais eficientes do mundo" e por grandes áreas inexploradas, disse o diretor da Divisão de Commodities da FAO, Alexander Sarris.

Para os técnicos do USDA, portanto, a evolução do mercado, nos próximos 10 anos, será um fator decisivo para a redução dos subsídios, seja qual for a evolução das negociações internacionais sobre comércio. Para os especialistas da FAO, a liberalização do mercado internacional de produtos agrícolas dependerá crucialmente das negociações globais, isto é, da Rodada Doha.

O Brasil, segundo o documento do USDA, deverá aumentar de 35% para 45% sua fatia do mercado mundial de soja e derivados, firmando-se como exportador número um. Continuará a ser um grande vendedor de carnes, mas ainda enfrentará dificuldades porque em 2014 a aftosa ainda não estará erradicada. O governo brasileiro fixou 2009 como limite para que esse trabalho seja completado.

Apesar de sua posição diferenciada no mercado internacional, como grande produtor e exportador competitivo, o Brasil também tem sido afetado pela evolução desfavorável de preços analisada no trabalho da FAO. Nos últimos 40 anos, de acordo com esse estudo, os preços agrícolas caíram em média 2% ao ano, muito mais do que os preços dos manufaturados.

Essa depreciação resultou de um grande aumento da oferta ocasionado em parte pelos subsídios, que estimulam a superprodução, e em parte por ganhos de produtividade ocorridos em vários países.

É preciso introduzir uma diferenciação importante. Os preços internacionais teriam caído menos, presumivelmente, sem a produção excessiva estimulada pelos subsídios pagos no mundo rico. Mas alguma redução teria ocorrido, em conseqüência dos ganhos de produtividade. Em mercados altamente concorrenciais, como o dos produtos agropecuários, ganhos de eficiência normalmente são transferidos depois de algum tempo, no todo ou em grande parte, aos compradores. É um fato registrado há muito tempo pelos economistas.

Negociações poderão reduzir ou eliminar os subsídios, mas dificilmente deixará de ocorrer, nos próximos anos, a transferência dos ganhos de produtividade. Pode-se especular se mudanças políticas ou alterações no mercado tenderão a atenuar essa tendência. O que parece indiscutível, de toda forma, é que os menos afetados pela diminuição dos preços, no longo prazo, serão sempre os que liderarem os aumentos de eficiência.

Os produtores brasileiros poderão estar nesse grupo, se tiverem condições de continuar a investir, se tiverem acesso a tecnologia renovada com freqüência e se, além disso, dispuserem de um ambiente de trabalho muito mais propício que o de hoje, com melhores condições de financiamento, tributação mais racional e infra-estrutura muito melhor.

A batalha por pedaços do mercado - porque é disso que se trata e é disso que se tratará no futuro previsível - será decidida com as armas da modernidade: tecnologia, financiamento acessível e mão-de-obra cada vez mais qualificada. O resto é ilusão, que não cria renda, não gera empregos produtivos e não enche pratos.