Título: Percival Farquhar, o internacionalista
Autor: Daniel Hessel Teich
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/03/2005, Economia, p. B9

Milionário americano negociava até com Lenin, o líder da Revolução Russa Em seu livro Chatô - O rei do Brasil, o escritor Fernando Morais descreve Percival Farquhar como um defensor ferrenho da internacionalização da economia brasileira, causa para a qual acabaria atraindo o futuro magnata das comunicações, Francisco de Assis Chateaubriand. O americano retratado como um vilão na minissérie Mad Maria, acreditava que nenhum país do mundo pode se desenvolver sem bons hotéis e cozinheiros refinados. "Como o Brasil do começo do século 20 não dispunha de nenhuma das duas qualidades, ele próprio tomou a iniciativa de equipá-lo. Construiu em São Paulo a elegante Rotisserie Sportsman e o Hotel Guarujá, no litoral paulista, e importou da cozinha do Elisée Palace Hotel de Paris o chef Henri Gallon", escreveu Moraes. Mas Farquhar foi muito mais que um adepto do luxo. No Brasil montou um império que, segundo o escritor e ex-ministro Ronaldo Costa Couto, só se rivalizado com o do Conde Francisco Matarazzo e com o de Irineu Evangelista de Sousa, o Visconde de Mauá.

Farquhar foi dono da Rio de Janeiro Light and Power, da Companhia Telefônica Brasileira, das ferrovias Sorocabana e Mogiana, em São Paulo, e da Port of Pará, entre outras empresas. Farquhar tinha uma incrível capacidade para se indispor com governantes e grupos nacionalistas.

A antipatia que o empresário provocava não era sem motivos. Com a conclusão da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, em 1913, o empresário apresentou a conta da obra ao governo. Os valores simplesmente mais que dobraram com relação aos que constavam no contrato, incluindo aí todos os aditivos negociados e já pagos pelo governo. A conta de Farquhar, estimada em 102 mil contos de réis, significava um acréscimo de 62 mil contos de réis ao preço original de 40 mil contos de réis, já pago. Era uma quantia escandalosa. O governo concordou em pagar 22 mil contos além do combinado e encerrou o assunto. Farquhar nunca se conformou com a derrota.

"Não dá para dizer que Farquhar era um satanás, mas também não podemos adotar uma postura apologética, tornando-o um grande ícone do empreendedorismo", avalia o professor Francisco Foot Hardman, da Universidade Estadual de Campinas e autor do livro Trem Fantasma - Ferrovia Madeira-Mamoré e a modernidade na Selva. "Ele era um exemplo típico do velho capitalismo internacional."

Farquhar construiu seu império basicamente captando recursos disponíveis para investimentos na Europa e transferindo-os para empresas em países em desenvolvimento. Teve ferrovias e minas na Rússia e negociou diretamente com Lenin. Explorou negócios em Cuba e na América Central. Quebrou a primeira vez com a 1.ª Guerra Mundial, quando o dinheiro internacional ficou mais escasso. Depois sofreu mais um baque em 1929. No Brasil, com a ditadura de Getúlio Vargas, nunca mais chegou a se levantar.