Título: 50 milhões de árvores nos vagões da ferrovia
Autor: Daniel Hessel Teich
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/03/2005, Economia, p. B9

Maior serraria da América do Sul derrubou grande parte da floresta de araucárias TRÊS BARRAS, SC - Assim que concluiu a construção da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, Percival Farquhar partiu para a segunda etapa de seu projeto. Começou na cidade de Porto União a extensão de um ramal ferroviário até o lugarejo de Três Barras. Foi lá que ele instalou, em 1913, a sede da Southern Brazil Lumber & Colonization Company. O objetivo da empresa era explorar a madeira das matas ao redor da ferrovia, parte da concessão que Farquhar obteve do governo federal com a construção da estrada. Gigantesca mesmo para os padrões de hoje, a Lumber se transformou na maior serraria da América do Sul. Estima-se que o complexo de Farquhar, entre 1915 e 1938, tenha derrubado, serrado e embarcado para a Europa e Estados Unidos mais de 50 milhões de árvores de araucária, devastando completamente as matas da região. De Três Barras, a ferrovia permitia conexão rápida com o Porto de São Francisco do Sul, junto a Joinville, onde a madeira era embarcada nos navios do magnata.

O complexo da Lumber, como a empresa é conhecida na região, ocupava uma área de 60 hectares. Na fase inicial, empregava 800 trabalhadores, número que quase dobrou nos anos seguintes. O complexo era uma cidade. Abrigava 214 casas, abastecidas com água encanada e energia elétrica. No museu da cidade é possível se ver geladeiras trazidas pelos americanos que dirigiam e administravam a companhia. Era pequenos armários de madeira forrados de chumbo onde se colocavam blocos de gelo para refrigerar os alimentos. O gelo era produzido numa fábrica dentro do complexo.

As casas também tinham aquecimento central e água quente proveniente das cinco caldeiras que movimentavam todo o maquinário da empresa. "A Lumber se especializou no processamento de dois tipos de madeira", explica Cléa da Silveira Xavier, responsável pelo pequeno museu de Três barras. "Primeiro começou a produzir dormentes de imbuia a partir de uma serraria instalada em Calmon. Depois montou a grande serraria para explorar madeiras mais nobres como araucária e cedro."

Desmatadas as áreas ao redor da linha férrea, a Lumber loteava e vendia as terras para colonos europeus. "Muitos funcionários acabaram recebendo seus salários na forma de títulos de propriedade", diz Cléa. Da mesma forma que aconteceu com a ferrovia, em 1940 o governo federal encampou todos os ativos da Lumber na região. Em 1952 a área e acervo da companhia foi doado ao Ministério da Guerra que instalou na área o Campo de Instrução Marechal Hermes, dedicado a treinar recrutas em simulações e batalhas. A área do exército foi posteriormente ampliada até chegar a 9,4 mil hectares em 1956.

Muito pouco restou da velha serraria. No centro da área do Exército sobraram só os alicerces do prédio onde as madeiras eram cortadas com a ajuda de máquinas a vapor. A maioria das casas foi demolida. O cinema de madeira, que garantia a diversão dos trabalhadores, está em escombros. "A situação é tão ruim que provavelmente não vale nem a pena reformar.", diz o diretor do campo, tenente-coronel João Carlos Amaro Neto.

O Cine Lumber, fundado em 1914, foi o primeiro cinema construído ao sul da cidade de São Paulo. No complexo, apenas o prédio do escritório da empresa e a casa do diretor do complexo estão boas condições.

A Lumber de Três Barras era um mundo à parte na região, com seus seguranças armados até os dentes e quadra de tênis franqueadas apenas aos diretores e seus filhos. Na empresa, não se hasteava quase nunca a bandeira brasileira e nos dias 4 de julho, data da independência americana, comemorava-se o feriado com toda a pompa. Um filme mudo produzido nos anos 20 e hoje guardado no museu da cidade mostra uma visita de Farquhar, já idoso, a Lumber. Simpático, o magnata já a caminho da falência cumprimenta funcionários e sorri no centro de seu império.