Título: Omissão importante
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Fonte: O Estado de São Paulo, 19/02/2005, Notas e Informações, p. A3

A mensagem que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva encaminhou ao Congresso Nacional na abertura dos trabalhos legislativos deste ano, embora tenha merecido pouca atenção por causa da avassaladora derrota sofrida pelo governo e pelo PT na eleição da mesa diretora da Câmara dos Deputados, é um documento político importante, tanto pelo que contém como, sobretudo, pelo que omite.

Nesse tipo de documento, normalmente o chefe do Executivo faz um balanço do ano anterior e lista os temas cujo debate pelo Legislativo considera prioritário no ano em curso. Ao se referir a 2004, Lula empregou um tom otimista, afirmando que o País superou diversos problemas, entre os quais a vulnerabilidade externa, e a economia voltou a crescer. Como de praxe, elogiou a atuação do Congresso, destacando, entre outras decisões dos parlamentares, a aprovação do projeto de Parcerias Público-Privadas (as PPPs) e do Programa Universidade para Todos (ProUni). Segundo Lula, o Legislativo comprovou seu compromisso com o desenvolvimento econômico e social do País.

Quanto aos projetos cuja aprovação neste ano interessa ao governo, o presidente da República apresentou uma lista limitada e que é bastante semelhante à que analistas do setor privado também consideram essencial. Nela está incluída a votação do segundo ciclo da reforma tributária, que deverá tratar da unificação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

Nas últimas semanas se observou um avanço na discussão desse assunto, mas ainda é prematuro falar em acordo. De todo modo, agora parece haver empenho do governo federal. Isso ajuda a impulsionar essa reforma, que, como reconhece o Ministério da Fazenda, "é um passo essencial em direção ao estabelecimento de um genuíno Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que deverá incorporar tributos como o próprio ICMS, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e mesmo o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS)". A unificação, além de reduzir o espaço para a guerra fiscal entre Estados, é um passo essencial para o estabelecimento de um sistema tributário de melhor qualidade no País.

Outros projetos importantes para o País estão citados entre aqueles cuja aprovação neste ano o governo do PT considera essencial, como a proposta, em fase final de redação, da regulamentação do Regime de Previdência Complementar dos servidores civis da União. No Congresso, ainda se aguarda a conclusão da reforma previdenciária paralela. O texto básico já foi aprovado em primeiro turno pela Câmara, mas ainda falta a votação dos destaques, os quais precisam ser negociados entre o governo e a oposição, para então o projeto ser votado em segundo turno e, depois, encaminhado ao Senado, para mais duas votações.

Aos projetos em tramitação no Congresso, como o do novo marco legal sobre biossegurança e o da reforma infraconstitucional do Judiciário e das agências reguladoras, o Palácio do Planalto acrescentará, neste ano, dois outros que considera prioritários: o da reforma sindical, já longamente debatido entre empregados, empregadores e governo, e o da reforma universitária, cuja versão inicial vem sendo alvo de severas e fundamentadas críticas no meio acadêmico.

Mas a mensagem de Lula ao Congresso é importante também pelo que não contém. Nela não se faz referência ao projeto de autonomia operacional do Banco Central, que o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e seus principais assessores vêm citando, com freqüência crescente, entre os que consideram indispensáveis para assegurar as condições para o crescimento sustentado da economia.

Em dezembro, a Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda divulgou um estudo no qual afirma que "a inexistência de uma autonomia legal à autoridade monetária reduz a segurança institucional quanto às formas de conduta a serem adotadas" para proteger o poder de compra da moeda. Sem essa "segurança institucional", a ação do Banco Central tem de ser mais severa e de duração mais longa, para evitar que se formem desconfianças a respeito de sua eficácia - o que certamente prejudica o crescimento.

Esse argumento não convenceu outros setores do governo, que preferiram, pelo menos por enquanto, deixar o assunto de lado. É uma derrota para o ministro Palocci e sua equipe.