Título: "Vim por um desacerto", diz D., que é do interior
Autor: Luciana Garbin
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/03/2005, Cidades / Metrópole, p. C8

As brincadeiras por causa de seu sotaque o irritam um pouco. D. é do interior, de uma cidade perto da divisa com o Paraná, e está na Febem há quase quatro meses. "Vim por um desacerto. Roubava e o juiz me mandou para cá." O primeiro furto foi numa loja de roupas. Tentou pegar uma calça e uma jaqueta que achou bonitas e acabou na delegacia. Quando soube, a mãe chorou. Era a primeira vez que isso ocorria na família. Mas D. tentou de novo. E aí deu certo. Furtou um short de skatista e um pacote de camisetas numa loja. Para a mãe, contou ter ganhado as roupas de um cliente. Ele engraxava sapatos. "Aí, como deu certo, comecei a roubar outras coisas maiores, vídeo, DVD." O primeiro DVD vendeu por R$ 85,00, para um traficante, e dividiu o dinheiro com o parceiro. "Saía todo dia para engraxar, deixava a caixa de engraxate no bar e ia dar uma volta." Pouco depois, D. já faltava mais do que ia na escola, abandonou o trabalho de engraxate e, com dinheiro emprestado de colegas, comprou uma arma com um amigo. Por R$ 280,00. "Falavam que eu era muito novinho, para largar mão dessa vida, a mãe ficava nervosa porque tinha carro de polícia toda hora em frente de casa, mas eu nem esquentava. Achava que nunca ia vir para a Febem." Sempre com um amigo de infância, foi assaltar o posto de gasolina. "Como tem carro a toda hora, pensamos que ia dar mais dinheiro", conta D. O roubo rendeu R$ 50,00 e uns pacotes de cigarro. A última infração foi na farmácia. "Enquadramos a vítima, não demorou muito chegou a Blazerzona na cola", conta, referindo-se ao carro da polícia. O amigo conseguiu fugir, ele não. Em 13 de dezembro, D. chegou ao Tatuapé. Uma das primeiras coisas que fez foi uma tatuagem com agulha numa das mãos. Cinco pontos que, na linguagem criminal, significam "quatro ladrões e um polícia no meio". Ao ouvir de um colega que os policiais costumam bater em quem tem essa tatuagem, ele sorri. "Os policiais da minha cidade nem sabem o que é isso." E, ainda meio sorrindo, meio empostando a voz, promete fazer diferente quando voltar para casa, que o roubo não lhe deu lucro nenhum, que vai procurar trabalho numa guarda-mirim. E quando crescer mais? "Quero ser caminhoneiro. Porque meu pai (hoje operador de motossera) também foi."