Título: Pedrinhas. Quase crianças na Febem
Autor: Luciana Garbin
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/03/2005, Cidades / Metrópole, p. C8

São os internos mais novos do Complexo Tatuapé, têm entre 12 e 14 anos e foram um dos estopins do último grande motim Nem eles mesmos sabem como se tornaram "os pedrinhas" da Febem. Mas assim são conhecidos por internos e funcionários de todo o Complexo Tatuapé. Com 12, 13 e 14 anos, ocupam a unidade número 7. E, apesar de serem os menorzinhos, são considerados importantes no equilíbrio da "casa". O último grande motim começou entre pedrinhas. Os maiores souberam que eles tinham apanhado e tomaram as dores. Oitocentos internos acabaram se rebelando. Entre os pedrinhas, há muitos meninos de rua - tanto que há quem diga que o nome vem das pedras de crack. E uma quantidade ainda maior de histórias marcadas por desestruturação familiar, abandono, casos de abuso e agressão, passagens por abrigos, drogas. Dos cinco que falaram ao Estado, dois por acaso já tinham sido ouvidos pela reportagem no ano passado no Vale do Anhangabaú. E um outro também havia vivido na rua. "Muitos vêm de famílias chefiadas por mulheres e passaram muito tempo sem uma figura de autoridade", acrescenta a psicóloga Simone Dinis Pina Tenreiro. No perfil das infrações, há principalmente furtos e roubos.

Até os tumultos da semana passada no Tatuapé, havia cem internos na unidade 7. Depois das fugas, sobraram 82. Ocupam desde então um prédio praticamente destruído. Após as demissões em massa, os funcionários antigos saíram e, por algumas horas, os pedrinhas tomaram conta da unidade. Incendiaram dormitórios, quebraram som, fax, computador e televisão do setor administrativo, começaram a brincar com equipamentos de saúde, a medir a pressão um do outro.

A única coisa que guardaram foram os processos. Sabiam que, se destruídos, poderia aumentar seu tempo de Febem. A devastação tem obrigado técnicos a atender em salas improvisadas e, na quarta-feira, com reinício das aulas, os professores chegaram e encontraram as classes cheias de internos dormindo. Alguns sobre cobertores dobrados, pois até os colchões foram queimados.

Para quem acompanha há anos a Febem, resolver esses problemas estruturais é questão de tempo. E o que vale destacar é o fim da tortura. "Hoje aqui não tem mais couro, o enfoque é pedagógico", garante o diretor da unidade, Orlando Catharino. "Se fosse no tempo antigo, eles já teriam sofrido várias sanções, mas a gente está indo pelo caminho mais difícil, o do diálogo, da pedagogia."

Sempre com brincadeiras, os pedrinhas muitas vezes irritam internos maiores. "Eles não têm paciência. Falam que eles fazem 'muita galinhagem'", conta Simone. Nesta semana, quase arrumaram problemas com a unidade vizinha após subirem no telhado sem motivo. Na Febem, isso só pode ocorrer por "coisa séria".

"Mas eles são também como irmãos caçulas, que, às vezes, enchem a paciência, mas, por serem mais novos, acabam protegidos", afirma Ariel de Castro Alves, do Projeto Travessia. "E tudo o que acontece na unidade dos pedrinhas se reflete nas outras."

Por tudo isso, educadores dizem que a unidade 7 tem de ser a com mais atividades. E a que menos vai ao Núcleo Profissionalizante, onde internos de várias unidades se encontram. Lá, só fazem cerâmica e informática. "A gente procura focar os trabalhos mais na unidade para preservá-los da influência dos mais antigos", diz Simone. Ao contrário da escola, os cursos - biscuit, tapeçaria, horta - ainda não puderam ser retomados. Todo o material de trabalho foi destruído nas rebeliões.

Entre os pedrinhas também vale o código de regras das outras unidades. É proibido, por exemplo, ficar sem camiseta diante das visitas. E acabam de inaugurar o seguro - grupo que precisa ser afastado da maioria, por causa de ameaças -, coisa que até o mês passado não existia. Tem hoje cerca de dez meninos, mas chegou a ter mais. Até que internos da unidade 9 os convenceram de que alguns já podiam voltar ao convívio. Na linguagem dos internos, viraram dignos de novo. Porque na Febem ou se é "digno" ou se é "pilantra".

Educadores se irritam com todas essas gírias e querem acabar com o termo pedrinhas. Mas, mais do que isso, acham importante lembrar que os pedrinhas não são um problema que existe apenas na Febem.

"A sociedade joga muito a responsabilidade sobre a Febem, mas a gente não consegue fazer milagre. É um problema muito maior, questão de política pública, que desemboca também na família", lembra Simone. "Aqui a gente trabalha com o menino, os técnicos batalham encaminhamento, buscam psicoterapia, tentam incluir a mãe em grupos de apoio e programas de renda. Mas existe uma realidade fora da Febem que não tem como a gente mudar sozinho."

ABRIGO

Pela lei, só aos 12 anos um menino pode receber medida socioeducativa e ser mandado para a Febem. Até essa idade, são considerados crianças e, se cometerem infração, passam pela Vara da Infância e Juventude para o juiz determinar medida de proteção e mandá-los de volta para casa ou para um abrigo.