Título: UFPR exige prova de origem negra
Autor: Evandro Fadel
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/02/2005, Vida, p. A16

115 dos 573 aprovados foram barrados pela Universidade Federal do Paraná e terão de provar ascendência negra para assegurar vaga.

Regina (nome fictício), de 19 anos, tem na pele o tom moreno que muitos gostariam de ter e para isso não economizam bronzeadores e horas ao sol. Ela nasceu assim. E quer servir-se da cor para enquadrar-se nos 20% de vagas destinadas a negros na Universidade Federal do Paraná (UFPR). "Me considero parda e declarei isso", disse a estudante, que pediu para não ser identificada. Segundo ela, uma das avós é negra. A jovem está entre os 115 vestibulandos que conseguiram passar na UFPR como cotistas, mas foram chamados a comparecer perante uma comissão de avaliação. Sete outros desistiram antes de se submeterem à entrevista.

"Fundamentalmente, interessa-nos a aparência física, mas também buscamos um pouco da história de vida", explicou a coordenadora da comissão, Dora Lúcia de Lima Bertúlio, que é procuradora-chefe da UFPR e negra.

A comissão tem 12 pessoas que se revezam. Os estudantes são entrevistados por sete deles - quatro dos movimentos sociais negros e três da universidade.

Regina é uma das aprovadas no curso de Farmácia, mas somente terá o resultado homologado se convencer os membros da comissão. Por isso antes de entrar na sala, na manhã de ontem, confessava-se "muito nervosa". "Acho que esse processo nos discrimina", criticou. "É um pouco humilhante."

Para não sofrer preconceito ela afirma que faz alisamento dos cabelos e procura não tomar muito sol. Mas lembra-se apenas do pai de um ex-namorado que a discriminava. "Ele perguntava se eu não achava que tinha tostado demais", disse.

A UFPR ofereceu 831 vagas para os cotistas. No entanto, apenas 573 vestibulandos conseguiram a nota mínima. Segundo a coordenadora da comissão, no momento da matrícula era feita uma primeira triagem visual. Nesse processo 451 foram considerados aptos para as vagas imediatamente. Dos que restaram, 115 fizeram pedido de revisão. "Temos de ser rígidos, senão inviabiliza (o sistema de cotas) para o próximo ano", disse o reitor Carlos Augusto Moreira Júnior.

FOTO DA AVÓ

O estudante Gladson Silva Costa, de 18 anos, que também declarou ser pardo, considerou "falta de respeito" o fato de precisarem provar o que declararam. "Falaram que estavam facilitando, mas agora estão barrando", reclamou. Ele conseguiu uma das vagas de cotistas para o curso de História. "Quero saber por que estão tirando minha vaga. Se não for aprovado pela comissão, alguém com nota mais baixa vai entrar."

Com a pele morena clara, ele diz ter ascendência negra por parte do pai. "É claro que pode ter pessoas que fizeram declaração de má-fé, mas a maioria foi de boa-fé", acentuou. Ele diz ser chamado de "negão" no colégio.

Com uma das vagas de Medicina, um dos cursos mais concorridos, Roberto (nome fictício) não quer perdê-la. Como sua pele morena clara não demonstra que seja afrodescendente, ele levou uma foto da avó materna para mostrar aos membros da comissão. "Tenho como provar a ascendência negra", acentuou. "Estou preparado para dizer a verdade e conversar com a comissão." As únicas demonstrações de que é "diferente" ele diz terem vindo dos amigos. "São brincadeirinhas por causa do cabelo grosso. Dizem que é impermeável."

Já Ana Lucia Pereira foi acompanhada do pai, Limiro Josué Pereira, para provar sua ascendência. Também levou fotografias da família.

AVANÇO INSTITUCIONAL

O resultado das entrevistas, já homologado pela reitoria, deve ser divulgado na terça-feira, acabando-se as possibilidades de recursos administrativos internos. Mas ainda poderá haver recursos judiciais. As vagas que forem abertas serão preenchidas pela lista geral de espera, independentemente de serem ou não cotistas. "Mas já há um avanço institucional, porque 400 negros estão matriculados", acentuou o reitor.

Dora, a coordenadora da comissão, estava vibrando ontem. "Não é fantástico as pessoas fazerem questão de se declarar negras ou pardas?" perguntava. "Brigam, até com advogados, para serem negras."

Segundo ela, nos poucos minutos de conversa com os candidatos é possível perceber até que ponto os eventuais traços de negros têm trazido dificuldades e discriminação. "As pessoas revelam isso." No ano passado, o levantamento socioeducacional mostrou que apenas 42 pessoas se declararam negras no momento do vestibular e 109 disseram ser pardas.