Título: Briga ameaça distribuição de remédio
Autor: Lígia Formenti
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/02/2005, Vida, p. A20

Disputa por exclusividade de medicamento para câncer usado em hospitais da rede estadual envolve laboratórios, Anvisa, Inpi e a Justiça.

Uma novela iniciada há mais de um ano que envolve laboratórios farmacêuticos, Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (Inpi) e Justiça ameaça provocar um atraso na distribuição de um medicamento usado para câncer em hospitais da rede estadual de saúde de São Paulo. A polêmica tem como ponto central um dos principais produtos da empresa Sanofi-Aventis, o Taxotere, remédio indicado para tratamento oncológico lançado no País em 1996, e o Neoxatel, produzido pela Quiral Química do Brasil. A Sanofi-Aventis diz ter exclusividade no mercado e obteve na Justiça uma decisão que impede a comercialização do medicamento Neoxatel, da Quiral. O laboratório brasileiro, no entanto, havia ganhado um pregão promovido pela Secretaria de Estado de Saúde para fornecer o medicamento para os 14 hospitais da rede. Diante da decisão da Justiça, o processo de compra foi interrompido.

Segundo a Assessoria de Imprensa, a secretaria deve esperar que a Justiça defina o assunto para dar continuidade à aquisição do medicamento. Num documento divulgado no início deste mês, o secretário de Saúde, Luiz Roberto Barradas Barata, afirmou que a indecisão sobre o tema poria em risco o abastecimento do Estado, o que poderia provocar uma série de prejuízos para a população. Por ora, segundo a assessoria, os estoques garantem o abastecimento.

A Sanofi-Aventis sustenta seu direito de exclusividade num certificado concedido pelo Inpi, de meados do ano passado. "Esse documento desrespeitava uma série de dispositivos legais e foi revisto pelo próprio Inpi", afirma o sócio da Quiral, Antonio Salustiano Machado. A Sanofis, por sua vez, sustenta que o certificado do Inpi continua vigorando.

Quando o primeiro parecer do Inpi foi feito garantindo exclusividade para o Taxotere, já havia dúvidas sobre o direito de a Sanofi-Aventis conseguir a patente para o medicamento. A Anvisa, que desde 2000 participa da avaliação dos pedidos feitos para o Inpi, havia dado um parecer contrário à patente para o medicamento. "Houve incorreções no pedido. Num primeiro momento, eles pediram registro de patente para o processo de obtenção do princípio ativo. Como isso não era possível, por uma particularidade da lei, pediram registro do produto. Essa troca não é permitida", afirma a gerente de regulamentação sanitária internacional da Anvisa, Ana Paula Jucá Silva.

A Sanofi recorreu à Justiça contra a participação da Anvisa no processo. Obteve uma decisão favorável em outubro, cassada dois meses mais tarde. Ana Paula conta que a agência começou a atuar na avaliação dos processos do Inpi depois de uma medida provisória, transformada em lei em 2001. "Sem a anuência da Anvisa, não há como a patente ser concedida."

"INUSITADO"

A Sanofi-Aventis não quer comentar o caso. Afirma que patentes foram concedidas para o produto em vários países, como Argentina, México, Uruguai, Paraguai, Equador, Peru e mais de 2.500 estudos já foram feitos com ele.

Machado calcula que, além de São Paulo, a Quiral teve a venda suspendida para hospitais públicos de vários pontos do País. Pelos seus cálculos, os prejuízos, até junho, podem chegar a R$ 9 milhões. "É tudo muito inusitado. O produto não tem patente, não tem aval da Anvisa, um parecer crivado de defeitos concedido pelo Inpi, que agora foi revisto. E, mesmo assim, o direito de exclusividade é mantido."