Título: Indígenas e sindicalistas desafiam Mesa: que venham os militares
Autor: Lourival Sant Anna
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/03/2005, Internacional, p. A14

Líder de central operária diz que protestos continuarão até a aprovação da cobrança de 50% de royalties sobre produção de gás e petróleo LA PAZ - Líderes indígenas e de trabalhadores desafiaram ontem o presidente Carlos Mesa, prometendo intensificar os bloqueios das estradas em todo o país até que o Congresso aprove uma lei impondo a cobrança de 50% de royalties sobre a produção de gás e de petróleo na Bolívia. Superando antigas divergências, o líder dos produtores de coca e deputado Evo Morales, dirigente do Movimento ao Socialismo (MAS), e o secretário-executivo da Central Operária Boliviana (COB), Jaime Solares, acompanhados de outros representantes dos chamados movimentos sociais, firmaram um pacto alternativo para contrapor-se ao que Mesa e a maioria dos partidos assinaram na terça-feira.

"Que venha o estado de sítio, que venham os militares, estamos preparados para enfrentá-los", dramatizou Solares, ao lado de Morales e do líder do Movimento Indigenista Pachacútec, Felipe Quispe, na sede da COB, em La Paz. "As mobilizações vão continuar até que o Congresso aprove os royalties de 50% e a nacionalização dos direitos, que significa recuperar a propriedade sobre os poços."

Na noite de terça-feira, depois de chegar a um acordo com os partidos para a votação de uma pauta mínima no Congresso e para a rejeição do pedido de renúncia que apresentara no domingo, Mesa convocou a população para sair às ruas hoje ao meio-dia para protestar contra os bloqueios de estradas.

Morales exigiu também que o presidente peça desculpas publicamente pelas críticas que lhe fez ao apresentar sua renúncia. "Bloquear a Bolívia é fácil", desabafou Mesa em seu discurso, dirigindo-se a Morales. "Quero ver o senhor se sentar aqui e governar a Bolívia." O MAS não aderiu ao "pacto de governabilidade" entre o presidente e os outros partidos por causa dessas críticas.

A polícia informou ontem que havia dois pontos de bloqueio em El Alto, a 15 quilômetros de La Paz, prejudicando o acesso ao resto do país e impedindo a vinda dos ônibus que trazem os moradores da cidade-dormitório para virem trabalhar na capital.

Além disso, estavam bloqueadas as estradas de Cochabamba para Santa Cruz de la Sierra e para a cidade mineira de Oruro. Eram mantidos ainda 20 pontos de bloqueio na região do Chapare, reduto de Evo Morales, impedindo o escoamento da safra de bananas e abacaxis. Só há registro de desabastecimento em Sucre, cidade onde fica a Corte Suprema, bloqueada há mais de uma semana.

O presidente se recusa a usar a força para desbloquear as estradas. O vice-ministro da Justiça, Carlos Alarcón, pediu ao Ministério Público que entre com ações para garantir o direito de ir e vir dos cidadãos, previsto na Constituição.

"É o presidente que está bloqueando a votação da Lei de Hidrocarbonetos", argumentou Morales. "O bloqueio é feito pelo FMI e pelo Banco Mundial aos países da América Latina", teorizou o deputado Santo Ramírez, também do MAS, presidente da Comissão de Desenvolvimento Econômico da Câmara, que propôs os 50% de royalties. "Os países ricos vivem dos recursos naturais da Bolívia e dos demais países da América Latina." Ramírez qualificou de suicídio econômico a proposta do governo de manter os atuais 18% de royalties e acrescentar outros 32% de impostos sobre a produção de gás e petróleo.

Mesa afirma que os 50% tornariam o negócio inviável e afugentariam os investimentos estrangeiros. Analistas e executivos da indústria ouvidos pelo Estado confirmaram a avaliação.

As empresas petrolíferas instaladas na Bolívia - incluindo a Petrobrás - extraem US$ 1,5 bilhão em gás ao ano. "Só pedimos que fiquem para os bolivianos US$ 750 milhões", salientou Ramírez.

O MAS propõe que parte desse dinheiro seja aplicado na industrialização do país e na paulatina nacionalização da produção pela estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB). "No futuro, vamos ficar com 100%, não com 50%", exulta Morales