Título: Aposta arriscada
Autor: CELSO MING
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/03/2005, economia, p. B2

Cravar uma aposta, não importa se com número bom ou ruim, sobre o comportamento futuro da economia brasileira continua sendo uma tarefa arriscada. Há semanas, alguns analistas ficaram impressionados com números baixos das Contas Nacionais calculadas pelo IBGE, correspondentes ao último trimestre do ano passado, e tascaram um veredicto com características irreversíveis: "O sistema produtivo está em franca desaceleração". Outros deram um passo além: "A alta escorchante dos juros derrubará inexoravelmente a atividade econômica".

Ontem, o mesmo IBGE divulgou mais um levantamento da produção física da indústria nacional e concluiu que, em janeiro, a indústria apontou um crescimento da produção de 6,0% em relação a janeiro do ano passado. Quer dizer, a expansão da produção industrial continua forte, apesar dos juros, do dólar barato, da carga tributária, dos problemas de infra-estrutura e apesar de tudo.

Nos dois ou três primeiros meses do ano passado, os economistas também estavam pessimistas, como pode ser conferido pela pesquisa Focus do Banco Central divulgada há 12 meses. Para eles, a produção nacional cresceria em torno dos 3,0%. Depois se viu que avançou 5,2%. Não dá para dizer que neste ano os economistas errarão outra vez, mas há alguns indicadores que mostram que, apesar dos pesares, a produção nacional poderá novamente desmenti-los.

O primeiro desses indícios tem a ver com a política dos juros. Economistas têm repetido que, cedo ou tarde, os juros altos (política monetária restritiva) acabarão freando a economia. Dizem, também, que depois que esse processo estiver em curso vai ser difícil revertê-lo, mesmo com rápida derrubada dos juros. É o que mostram as projeções do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) divulgadas terça-feira.

O ponto fraco desse argumento é que desde julho do ano passado os juros estão subindo e, no entanto, não conseguiram reverter o processo de crescimento econômico, como os números do IBGE sobre o comportamento da indústria em janeiro estão mostrando.

Também argumentam que o dólar muito barato vai corroer a força das exportações e, assim, também haverá queda da produção. Em linguagem técnica, dizem que o setor externo vai contribuir negativamente para o avanço do PIB, pois as exportações não deverão crescer mais que 10,2% neste ano. Mas, mesmo depois de 8 meses de baixa do câmbio, os números dos dois primeiros meses do ano indicam que as exportações de manufaturados (e aí não estão as commodities, que independem do câmbio) vão crescendo a 45,5% ao ano em comparação com o primeiro bimestre de 2004.

Também afirmam que a economia mundial deve desacelerar-se em resposta não só à pisada no freio dos Estados Unidos (juros mais altos), mas, também, à possível acomodação imposta pelo governo chinês. A isso contrapõe-se o fato de os países ricos seguirem tendo um bom desempenho econômico e ainda não haver sinal de que a China opte pela retranca.

Outro argumento é o de que a indústria de transformação trabalha no limite da capacidade e já não há muito como crescer em produção. Pode-se dizer sobre isso que os investimentos em máquinas e instalações no último trimestre de 2004 cresceram a 19,3% ao ano, portanto muito acima do avanço da produção industrial. De mais a mais, em janeiro a indústria tinha 107 postos de trabalho a cada 100 existentes em janeiro do ano passado. Ninguém contrata gente se não for para aumentar a produção.

Ainda assim, não há nada de errado se a economia brasileira voltar a crescer menos de 4,0% neste ano. Mesmo em períodos de maré alta, há ondas mais longas e mais curtas - e 2005 poderá ser um ano de onda curta. Mas não dá, ainda, para afirmar que os próximos meses serão volta a um avanço medíocre do PIB. Os indícios podem estar apontando na direção oposta.