Título: Brasil quer aliança em torno do software livre
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/02/2005, Economia e Negócios, p. B6

Para governo brasileiro, uso de programas livres pode garantir o acesso dos países mais pobres às novas tecnologias de informação. Os EUA não apóiam a proposta.

GENEBRA - O governo brasileiro começa a costurar uma aliança para conseguir a aprovação, na Organização das Nações Unidas (ONU), de sua proposta de promover o software livre como uma das formas de garantir o acesso dos países mais pobres às novas tecnologias da informação. Ontem, o Brasil realizou consultas privadas com os governos da Rússia, China, África do Sul e Índia para fechar um entendimento. O governo brasileiro também se reuniu com os Estados Unidos, que deram sinais de que vão usar todos os meios possíveis para impedir a formação de alianças em torno da proposta de Brasília. O debate sobre o software ocorre no âmbito das negociações para a Cúpula Mundial da Tecnologia da Informação, que se realizará em novembro, em Túnis. O objetivo da reunião é montar um plano de ação para conseguir que as diferenças crescentes na área de tecnologia entre países pobres e ricos sejam superadas. Nesta semana, os governos estão reunidos em Genebra para preparar o acordo que seria assinado no fim do ano, e cada país está mobilizando seus negociadores para conseguir apoios às suas propostas.

O Brasil entregou ontem à ONU sua proposta sobre o uso do software livre como forma de facilitar a difusão de novas tecnologias. Na avaliação do governo, programas patenteados não só são mais caros, como os países em desenvolvimento são obrigados a pagar royalties pelo uso dos softwares produzidos por algumas das maiores empresas dos Estados Unidos. Não por acaso, Washington discorda da posição brasileira nas negociações.

Uma proposta que estará em debate é a criação de um fundo para financiar projetos tecnológicos nos países pobres. Para o Brasil, o fundo poderia economizar recursos se adquirisse software livre, e não programas patenteados.

Preocupada com a posição brasileira, a Casa Branca solicitou uma reunião com a delegação do Brasil em Genebra, para tentar construir um diálogo. Mas Washington deixou claro que tentará influenciar a habilidade do governo em obter apoios para suas propostas. Os americanos afirmaram, no encontro, que querem participar da reunião de países latino-americanos, a ser realizada no Rio de Janeiro em meados do ano, exatamente para fechar uma posição do continente sobre a questão tecnológica. Para membros do governo, o interesse americano na reunião do Rio mostra que a Casa Branca vai usar todos os mecanismos existentes para impedir uma coalizão em torno da proposta brasileira.

Brasília ficou de estudar a proposta americana de transformar a reunião latino-americana em uma reunião hemisférica, mas alguns representantes brasileiros já deixaram claro que essa possibilidade não deve ser aceita. Os americanos ainda sugeriram que os dois países, considerados como dois dos principais pilares da negociação, evitem um conflito em plena reunião da plenária da ONU.

Hoje, os brasileiros se reunirão com países latino-americanos para tentar negociar um apoio regional à proposta do software livre. Outra esperança do Brasil é a Espanha e Portugal. O governo acredita que não interessa aos europeus ficarem dependentes do monopólio das empresas de informática dos EUA e que Madri e Lisboa podem dar seu voto ao Brasil.

Segundo Sérgio Rosa, diretor do Serpro, uma das estratégias que o Brasil pode usar é transformar a causa do software livre na ONU em um objetivo liderado pelos europeus, e não pelos países emergentes. Na Europa, o software livre já é usado em vários órgãos públicos como forma de economia. Nesta fase, o embate será saber que propostas permanecerão na mesa de negociação, definição que será tomada até sexta-feira em Genebra.